.........A charrete do senhor TABORDA vai saindo lentamente... da Rua TIRADENTES. Leva compras dos fregueses da Casa Santo Antônio. Na Estação, um ônibus da ÁGUIA BRANCA leva os rolos de fitas dos últimos filmes do Cine Guarany. O senhor DÂNDALO havia passado um programa duplo sobre a conquista do Oeste dos ESTADOS UNIDOS. As calçadas da Avenida 7 de Setembro são cheias de vida. Crianças fazem bolhas de sabão. Jogadores sobem, com velhas chuteiras, para o treino do Harmonia. No terreno de cima, os vizinhos esperam um galo de rinha da PALMEIRA. Exibem um Jacu caçado no potreiro do OLTRAMARI. No Armazém da Loja, os gatinhos mamam. Todos, ainda, de olhos fechados. No tanque, a Mãe (JOVILDE) lava roupa, quase sempre na água fria.
.........Ouvindo as Homenagens Sonoras da então
Emissora Sarandiense ou comendo abacate, eu refletia sobre o que acontecia, o
que contavam ... Num passado, que hoje me mata de saudade, fiz uma descoberta
que me assustou: a fragilidade da vida! A morte, às vezes, está por perto e nem
notamos!
.........Na calçada da Rua TIRADENTES, dois
estudantes com suas malas, vindos da Capital, me reconheceram. Vieram visitar
os Pais. Perguntei o que existe em PORTO ALEGRE? Um deles me respondeu:
“Progresso.” E indagou: “O que existe no SARANDI?” Respondi: “A felicidade!”.
.........Na Loja, a Dona IRMA media tecidos. A
“DUDA” e a IVANICE pesavam gêneros. A MARLENE refletia sobre a situação de dois
noivos... que jogaram as alianças na chuva. Tudo terminou por uma mentira. Ou
meia verdade. A mentira é uma arma. Mas é pecado.
.........O Pai ( FRIDOLINO ), no balcão central,
atendia, atenciosamente e com entusiasmo, um freguês fascinado por armas. Estas
faziam parte da cultura. A Cidade sofria influência do cinema. Alguns guris
brincavam com revolveres de espoleta. Outros com espingarda de rolha.
.........A honestidade tornou o meu Pai um homem
popular. Ele ensinava e permitia que alguns fregueses dessem tiros nas paredes
do Armazém. Quando o senhor ALBINO fazia compras, a gurizada já sabia que tinha
que sair.
.........Mas o freguês dessa tarde estava
indeciso. Havia armas de vários calibres e marcas. O Pai se distraiu. Foi
chamado várias vezes. O cidadão não quis pagar o preço da mercadoria. Aproveitou a distração de todos. Pegou um
revólver 38 e saiu. A partir da porta da Avenida, começou a correr, para cima.
.........O
Pai notou a falta da mercadoria. Ficou triste. Por educação, jamais faria uma
coisa dessas para alguém! Muito magoado, saiu da Loja, como estava, sem levar
nada. Orgulhoso, faria de tudo para não receber uma reprimenda do Tenente do
EXÉRCITO. Este conferia o mapa, na íntegra! Começou a correr, de sapato, sobre
as pedras duras. Levava, com ele, apenas, duas cartas estratégicas: um canivete
velho e um santinho do Santo Antônio. A Loja não contava com Sistema de
Segurança. Na distribuição de Soldados, SARANDI não estava nas prioridades da
Brigada. Como dizia o DINO, meia cancha do HARMONIA: “o Sarandiense tem que
bater o escanteio e correr para a área ... para cabecear!” Em síntese: o
Empresário tem que fazer tudo!
.........Mas será que vale a pena arriscar a vida?
Por dois mil cruzeiros? Correr sem saber para onde? Deixar, talvez, uma família
sem rumo? Correr com lobos? O bandido pode ter munição, arma branca, amigos
esperando ... VOLTA, PAI, VOLTA!
.........O fugitivo, na Rua ÂNGELO RECH, olhou
para baixo. Queria saber se estava sendo perseguido. Estava. Dobrou. Continuou
correndo. Estava preocupado. Arrependido. Ele foi surpreendido pela reação do
Comerciante.
.........Olhando de outro ponto de vista: não são
os dois mil cruzeiros que estão em jogo. É o caráter de um cidadão responsável.
A arma, em mãos desonestas, poderá tirar a vida de inocentes... CORRE, PAI,
CORRE!
.........O Pai, quando chegou na Rua ÂNGELO RECH,
olhou para trás. Queria saber com quem poderia contar. Ninguém! Mas, na
verdade, ele nunca esteve sozinho ... O Pai sabe que está correndo risco de
perder a vida. Foi ele que ensinou que é perigoso viver. Já correu 300 metros.
E não parou. Afinal, o que está em jogo? Tudo!
.........O ladrão se aproxima da cerca do
potreiro. Ele tem pouco tempo para pensar. Tem que decidir: lutar ou fugir? Mas
como tirar a vida de um homem honesto? De um Comerciante que ajudou tanta
gente? Olhou para o meu Pai, que continuava correndo. Alguém gritou: “Não
atirem no FRIDOLINO!” Largou a arma na grama. Pulou a cerca, colocando as mãos
num moirão. Correu pelo potreiro, na direção do Rio BONITO.
.........O Pai, ofegante, após correr 400 metros,
juntou a arma, agradeceu ao poderoso Santo Antônio e voltou para casa. Fomos
ver os gatinhos. Já abriram os olhos. Ele saboreia o chimarrão que a Mãe fez. O
cinema mostra o cartaz de um novo filme: “ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE”. O HUGO
ROSSI escreve, no cartaz, o jogo de domingo, no Estádio PEDRO DE MARCO:
HARMONIA X UNIÃO DE RONDINHA. O MECO vai jogar! Um grande amigo do Pai, o
ALBINO PIZATTO, veio comprar uma espingarda ... É melhor tirar os gatos do
Armazém! O Repórter ESSO da Rádio FARROUPILHA disse que o PAPA está doente
...Apesar da fragilidade da vida, o meu pequeno SARANDI vai dar mais um passo.
A vida continua. Obrigado, SANTO ANTÔNIO!
.........A charrete do senhor TABORDA, Pai dos
jogadores XIBA e JOÃOZINHO, vai saindo lentamente ...
.........( Baseado em fatos reais )
.........( Baseado em fatos reais )
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