sexta-feira, 24 de abril de 2020

A Casa Bonita

.........Fiquei sabendo que uma residência elegante foi desocupada, colocada à venda. Fui lá ver o imóvel. Localização privilegiada: próxima ao Shopping... Um gentil colaborador de imobiliária mostrou-me, calmamente, a confortável casa. Senti tristeza no ar...

.........Nela, uma senhora e um cão pequeno residiram por muitos anos. Vi coisas de valor afetivo, móveis de alta qualidade... Louças, retratos, com pessoas de diferentes idades, em vários lugares. Porcelanas, pratarias, talheres, livros, mesas, cadeiras, tudo de classe. Vestidos da alta costura. Sapatos: muito além do necessário! Em poucos minutos, surpreso, exclamei: “Ela não levou nada!” Pensei: deve estar na Europa...  “Para onde ela foi?” O profissional respondeu: “Empreendeu a última viagem!”.

.........Que triste! Tantos objetos de bom gosto! Próspera, ela foi chamada no meio do caminho. Não pôde levar as porcelanas. Nem as fotografias de quem amou... A casa ficou repleta de bens. Provavelmente, ela doaria alguns, mas não deu tempo... A Cidade competitiva não enxerga a caridade, só os defeitos... Quem hoje caminha sabe o que vai levar?

.........Objetos demais prejudicam a funcionalidade, provocam perda de tempo e acidentes. Cansam as pessoas... Que lições podemos tirar? Planejar? Definir objetivos? Alguns bens não podem ser vendidos? Objetos não podem ser doados? Por que a energia tem que ficar parada? Não é um gesto nobre doar um livro já lido? É inteligente sacrificar tudo... para acumular bens materiais? Por que não cultuar a bondade? Para onde o egoísmo levará o homem? Quantas oportunidades perdidas! De colocar sorriso num rosto triste! De alegrar o coração das crianças da Praça! De tomar chimarrão com alguém... de orientar um jovem... Não é só o livro que deve circular... É a energia, a liderança, o otimismo, a bondade, um gesto de bom humor... a presença de um cidadão verdadeiramente humano! Um homem sincero em quem o humilde possa confiar... Grandes personagens da História pensaram nos outros, fizeram caridade, “sem que a mão esquerda soubesse o que a direita fazia...”.

.........Amigo Leitor, diga-me uma coisa: o que podemos levar ao Paraíso? No domingo passado, um Padre me disse: “Nós só podemos levar para o Céu o bem que fazemos na Terra!”. Os corações de pedra quedam-se diante da beleza de um ensinamento do PAPA SÃO BASÍLIO: “Ao faminto pertence o pão que conservas. Ao nu, o manto que manténs guardado. Ao descalço, os sapatos que estragam em tua casa. Ao necessitado, o dinheiro que escondeste.”

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Coração em Movimento

.........Quando eu tinha sete anos, não ajudava os pobres. Não dava esmolas. Num dia de dezembro de 60, eu brincava na área dos fundos da nossa casa de SARANDI – RS. Cuidava do meu cãozinho preto (“MIPI”) e do meu gato cinzento (“VITÓRIA RÉGIA”). Surgiu um guri, com a minha idade, pobre e magro. Pediu pão. Estava com fome. Eu, concentrado nas minhas fantasias, disse que não. O pobre menino ficou mais triste do que já estava. Desceu a escada devagar, cabisbaixo... Ele devia estar pensando: “Se nem os ricos ajudam a nossa família... quem irá ajudar?” E olha que a Cidade já vivia a magia de mais um Natal. Larguei meus amiguinhos. Fiquei de pé. Lá do alto, contemplei a saudosa Rua TIRADENTES. Senti no ar um clima de tristeza. O senhor DAMÁSIO, a esposa e cinco filhos (uma escadinha) caminhavam na direção da Estação Rodoviária. Eram sete vidas pobres, magras, famintas, discriminadas... O chefe não conseguia emprego porque, além de miserável, tinha o “hábito” de ingerir bebida alcoólica. E era traído pela cor, meio branco, meio negro. Viviam ao desamparo da Lei e da cultura da época.

.........Fui punido por um remorso forte. Insuportável. Até aquele momento, remorso era, para mim, apenas, mais uma palavra que havia sido ensinada pela competente Irmã VERÔNICA, do Colégio SANTA GEMA. Arrependido, eu não parava mais de chorar. Quando a Mãe (JOVILDE) chegou, entendeu todo o meu sofrimento. Sensível e prática, entregou-me alguns pães. Fui atrás daquela família pobre. Encontrei-a em frente à Estação Rodoviária. O guri me reconheceu. Emocionado, com os pés descalços, sem camisa e sem os dentes da frente, entreguei os cinco pães. Senti um grande alívio. Tirei um peso dos ombros. O Pai (FRIDOLINO) gostou da minha atitude. Um poeta carioca, no auge da boemia, escreveu um belo verso: “Sempre fica um pouco de perfume nas mãos que oferecem rosas.” Eu entreguei os pães. Descobri o prazer de ajudar os humildes. A nobreza de dividir a alegria. Alguns adultos subestimam os pequenos. Dizem que não entendem as coisas do coração. Mas, então, por que a Nossa Senhora aparece para as crianças?  

.........O coração não para. Exige decisões. Foi feito para dividir. É a sede do sentimento. É habitado pela emoção. Clama por mudanças. A vida quer dar passos. Todos para a frente. Quem compôs o Hino da EUROPA? A gestão? A técnica? Não! Quem compôs a Nona Sinfonia de BEETHOVEN... foi um coração emocionado!  Quando cresci, fui estudar na Capital. Vi, então, pela última vez, próximo à Rodoviária... alguns integrantes da família do DAMÁSIO. Que caminho o destino preparou para aqueles pequenos inocentes? Que as cicatrizes da fome desapareçam nas brumas do tempo!

.........Hoje, ao caminhar no Parque, encontrei uma senhora falando ao telefone. Gritou, desesperada, várias vezes: “VOCÊ NÃO MUDA!” Se ele não mudar o comportamento, o Natal dela será triste. O grande presente que ela quer é a mudança dele. Não é um simples objeto. O preparo para o Natal pede um passo em frente. É uma grande oportunidade para mudar. Para melhor.

.........Na noite de Natal, quando a bondade contagiar as nossas vidas, quando a emoção roubar as nossas palavras... não fuja das luzes da Cidade: elas precisam iluminar um coração de guri, liberto das forças do mal! Não são pessoas desconhecidas que se preocupam com o senhor! Quem clama pela sua mudança são, justamente, aquelas que lhe amam demais! 

.........Sim. É possível. Às vezes, bastam, apenas, cinco pães. Outrora, bastaram cinco pães e dois peixes. Hoje, talvez, falte, apenas, um pouco de força de vontade. Ou disciplina! Prepare um grande presente de Natal: mude! Não fique estático. Não saboreie o imperfeito. Não esconda uma alma generosa. Ponha o coração em movimento. Adquira um sapato novo. Compre um traje elegante. Mude a indumentária. Mude o estilo de vida. Esta tem que valer a pena. Mas mude, também, a alma. Mude o coração. Mude o mundo.