sábado, 18 de janeiro de 2020

Esplendor e Sepultura



.........Todas as tardes, eu venho aqui, pensar na vida, curar ferida, tentar entender por que não venci, se tanto lutei. Lembrar de ti, que tanto amei. A brisa traz uma canção. Vem de estância da redondeza. Espanta a tristeza, que estende os pelegos por aqui.
.........Foi Deus quem deu ao gaúcho: a lealdade, a franqueza, a lida campeira, uma cultura que apaixona, o prazer de contemplar o esplendor da natureza, de respeitar a vida indefesa, que mostra flores e dores, o prazer de acariciar um filhote de cão.
.........Cinco quero-queros caminham pelo potreiro. Fazem movimentos ritmados. Os filhotes, também. Ontem, eram seis. Onde andará a ave que não voltou?
.........O Soldado Estafeta trouxe uma carta do General. Disse que encontrou muitos canários amarelos, ao percorrer as trilhas. Que baita notícia! O Canário amarelo é o que mais lembra a infância! Quando alimenta-se junto com o Cardeal e o Pica-pau, a floresta para, maravilhada!
.........Um alegre Bem-te-vi canta na beira da mata. Outro, no potreiro, responde. De peito amarelo, elegante e canoro, canta constantemente. A mata é deles!
.........Uma das aves mais respeitadas pela peonada é o João-de-barro. A um metro de distância das botas do gaúcho, sem medo, procura pequenas minhocas. Quando encontra algo para comer, entrega no bico da fêmea ou do filhote. Ele construiu uma casa de barro, num galho do umbu que vai para dentro do açude. Mora de frente para o mar! Com o sol na porta. Este lar inteligente, com duas peças, permite que ele sobreviva ao rigor do inverno. Permitiu que esta simpática espécie continuasse a evoluir, até os dias de hoje. O João-de-barro nunca integrou a Lista de Extinção!
........Gralhas beges e pretas pousam nos ramos da pitangueira. Carregada de flores brancas. Estas pedem paz... Quando eu era guri, tinha medo do canto selvagem das gralhas. Hoje, respeito. Elas espalham sementes, nos campos e matas, desta querência secular... Recebem, como prêmio, saborosas pitangas vermelhas. E o homem recebe a alegria de saber que as pitangas não terão fim!


.........Ouço incontáveis cantos, mas ignoro os pássaros autores. É uma lástima! Conhecer os pássaros brasileiros, suas cores maravilhosas e seus cantos mágicos tem que ser obrigatório na Educação dos cidadãos! Mas o que falta? Falta amor à pesquisa! Falta boa vontade! Conhecemos as ideologias do mundo, mas não sabemos o nome do pássaro que canta no jardim! E daí? Milhares de pássaros belos, como o Sabiá Branco, irão desaparecer, sem terem sido conhecidos e admirados! Tenho saudade do sangue-de-boi! Ele se recusava a viver em cativeiro! Mas, nem tudo está perdido: um dos cantos mais bonitos da mata é o do Sabiá-de-peito-roxo. Caminha bem perto de mim. Alegra o nosso mundo! Está livre dos caçadores... e da Lista dos Animais em Extinção.
.........Tenho encontrado pássaros mortos. São vítimas de ventos fortes, predadores naturais, veneno da agricultura, hidrelétricas, vidros dos prédios... Nesta manhã, encontrei, próximo à mata das cobras, um filhote de Sabiá sem vida. Com o peito para cima, asas abertas e patas encolhidas. Intacto. Pelo tamanho, poderia ter voado. Fiquei triste. Eu me ajoelhei. Falei com ele: “Oh! Meu pequeno! O que aconteceu contigo? Quem foi que fez tamanha maldade? Eu não queria chorar na tua floresta!”. Tenho que vencer esta batalha! Os inimigos são fortes demais! Os vidros integram a Arquitetura moderna. Mas provocam um enorme impacto ambiental. A ave não enxerga o vidro. Colide, mortalmente. Quebra o bico. Sangra até morrer! Os vidros têm sido pintados para que os homens não sofram acidentes graves. E os pássaros? Parece não haver interesse, nem Educação... Se o Patriota não salvar a Natureza, ninguém salvará!
.........Uma cobra coral, vermelha e preta, foge para o potreiro. Duas borboletas amarelas voam rente ao chão. Uma cobra verde alegra o entardecer. Desliza num arame do alambrado. Parece não ter medo. Ela teme, mesmo, o lagarto, seu predador natural. Ela faz parte da biodiversidade. O homem educado sabe que ela deve continuar vivendo.
.........Na semana passada, encontrei uma raposa morta, na estrada que vai para a Vila. Hoje, outra, próximo ao Bosque dos Escorpiões. Devemos deixar as raposas viverem em paz! São espertas, têm hábitos noturnos, sabem se esconder e têm filhotes para cuidar. As raposas têm uma tarefa na Roda da Vida!
.........Nós temos que investir na Natureza. Esta nunca deixa de retribuir... No século 19, o General Osório descobriu, no Noroeste do Estado, um grande erval. Abasteceu centenas de cidades. Temos o dever de não deixar os ervais desaparecerem! Tomar chimarrão, contemplando a flora e a fauna, eleva a auto-estima do Gaúcho, ajuda a refletir, conhecer a Terra e admirar a obra do Criador... Quem não conhece não ama! Quem não ama não protege! Milhões de reais, que circulam no Rio Grande do Sul, foram gerados nos ervais do Estado! Estou tomando, neste entardecer, um chimarrão bueno, trazido, pelo Tio Domingos, da dinâmica Chapada, Cidade que sabe preservar as matas.
.........Quando o homem não tem sensibilidade, os animais sofrem. A anta já desapareceu. Era uma caça abundante na época dos colonizadores, no século 19. A palavra fome não existia! Os bugios e capivaras estão desaparecendo. Há fiscais, mas em número insuficiente. Não há recursos para os Batalhões Ambientais. Então, não deveria haver recursos para as viagens ao exterior! Os animais sofrem, também, com a situação dos rios. Estes, nas curvas, mostram a erosão. Que poderia ter sido evitada com trabalho e competência! Mas o que é a erosão? É a riqueza do solo indo embora! Aqui neste Vale, há rios pequenos que já estão poluídos... Mas não abrem inquérito? Abrem, mas, no cerne da questão, nós, gaúchos, não consideramos a Natureza como um patrimônio! Por isto é que as lavouras invadem, criminosamente, as matas ciliares!
.........O Jornal A Federação, de domingo, publicou que o Ariticum desapareceu. Que baita susto! Quando éramos crianças, ao encontrar as saborosas frutas amarelas, fazíamos uma festa! Elas nasciam junto à cerca. Aqui, existe um que carrega todos os anos. Deve ser o último pé de Ariticum. Como é que o homem pôde cometer um pecado tão grande? O homem está insensível à extinção das espécies. Mas ele não será a última espécie! Uma espécie depende da outra para viver! A Floresta é maravilhosa, mas corre perigo. Ela depende de todos nós!
.........As copas das árvores começam a fazer barulho, provocado pela brisa. Esta traz cheiro de chuva. Espero que a Santa Bárbara não deixe o Minuano chegar. Ele derruba os ninhos dos pássaros. O vento xucro castiga os humildes que dormem nos ranchos do campo, cheios de frestas. São gaúchos que já não têm casa, nem churrasco! Pilchas e livros de poesias não deixam o orgulho morrer. O Sistema Rio Grande do Sul empobreceu?
.........Esta querência ainda é amada! No Lago do Jacaré, vivem garças brancas e rosas. Uma garça branca estava engolindo cobra cinza escura. Que cena triste! Fiquei abalado. Por pouco, ambos não morreram! Eu nunca tinha visto um animal tão competente na caça! A garça branca não erra nenhum voo rasante!
.........Um jacaré de papo amarelo atacou uma  Jaguatirica malhada. É a Roda da Vida! Quando menos a gente espera, peixes de um metro de comprimento saltam no meio do Lago! Uma lesma, com a casa nas costas, andou vários metros. Agora, parou, na jaboticabeira, outrora plantada por um Escoteiro. Começa a voltar. O que é importante para a lesma? O que é importante para o homem? Começa a esfriar. Aparece no Céu uma estrela. Ainda não é noite. Daqui a pouco, os animais peçonhentos começarão a circular. A noite é um mundo!
.........O Soldado Estafeta trouxe carta de um Jornalista da Capital. Lá pelas tantas, pergunta: “o que devemos fazer para salvar o esplendor da Natureza?”. Enquanto pesquisava, apresentei, ao Jornalista, um resumo: “aumentar as matas que beiram os rios, fazer canais ligando os ecossistemas, aperfeiçoar a Lei, acabar com a cultura da impunidade, colocar o patrimônio do Brasil acima do egoísmo, não comercializar animais silvestres, não manter animais em cativeiro, preservar as espécies, pesquisar para conhecer, não derrubar mais nenhuma árvore e plantar no coração da Criança a semente do Amor aos amigos da floresta. Algumas plantas serão extintas, antes de produzirem alimentos e remédios. Quem não zela pela Vida constroi a pobreza. O homem que não respeita a flora e a fauna semeia a melancolia.”. Querida Natureza! Escondes em tuas matas o brilho e a dor. “És, a um tempo, esplendor e sepultura!” (1).


(1) Poeta Olavo Bilac (Língua Portuguesa).