sexta-feira, 23 de julho de 2021

 O DESTINO DE RAMIRO -

.........Na década de 60, morava na Rua Tiradentes, da minha terra natal (Sarandi-RS), um guri de  pele parda, filho adotivo. Ele era visto no pátio de minha casa, jogando bolitas... na calçada e no pátio da casa dele, jogando bola. O Pai dele, por força da profissão (motorista de caminhão), passava vários períodos longe de casa. Meu Pai chamava-o de RAMIRO. Eu achava engraçado. Ele queria seguir a profissão do Pai. Este tinha na garagem um caminhão Mercedes-Benz, de cabine azul. O RAMIRO gostava de brincar de “caminhãozinho”. O Pai dele plantou árvores frutíferas e construiu um parreiral para ele comer uvas. Ele estudava no melhor colégio da cidade, a Escola Normal Rural Santa Gema Galgani, o “Colégio das Irmãs”. A vida estava valendo a pena! Ele era alegre e esperto. No pátio dos fundos, havia um pequeno campo de futebol, cheio de amigos. Ele foi um bom amigo de infância!

      Na primavera de 1963, quando ele tinha 10 anos, passou a ser perseguido por alguns rapazes de classe média. Queriam pegá-lo na saída das aulas da tarde. Ficavam na quadra do Ginásio esperando ele passar. Estavam determinados. Era uma questão de tempo... Sabendo da intenção dos “grandes”, decidiu contornar o Ginásio, dando a volta pelo lado de cima. Mesmo assim, foi alcançado. Pegaram ele pelo braço e levaram-no a um local ermo. Na grama, a pasta de couro marrom, aberta, com um caderno e uma caixinha de lápis de cor... Os rapazes, indiferentes às lágrimas e ao medo do menino, revezavam-se, sem parar...

      No dia seguinte, a mãe do RAMIRO me disse: “Meu filho chegou em casa todo lambuzado! Dei queixa na Polícia!". Ela era uma das primeiras a ir à Escola para saber se o filho tinha passado de ano. Os pais dele não mereciam tamanho desgosto! O caso foi abafado. Filhos de gente importante estavam envolvidos. A Cidade perdeu uma grande oportunidade de aplicar uma punição exemplar, educativa. A Sociedade não era santa. Surgiam casos de alcoolismo e adultério. Afinal, a carne é fraca. Mas, naquele dia, a Cidade chegou no fundo do poço! Só a educação das pessoas poderá evitar que casos semelhantes aconteçam! A Matemática não é tudo! O Português tampouco é tudo! O ser humano precisa ser íntegro!

.........Agora, o RAMIRO, traumatizado e com sequelas, olha pela janela. Outros guris brincam lá fora. A vida continua. O filho adotivo tem o direito de ser feliz! Deve ser amado e respeitado; nunca discriminado! Apesar de tudo, é preciso seguir em frente... com a esperança de dias melhores.

C F VOGT

c f v o g t @ y a h o o . c o m . b r