quinta-feira, 24 de janeiro de 2019


SAUDADE DA ACADEMIA MILITAR


.........Eu fui matriculado na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) em 01 Mar 1974. Integrei uma Turma de 375 cadetes, denominada  Tiradentes. Aos poucos, fui descobrindo que estudava na Organização Militar mais importante do Exército. Desfrutava de prestígio nos quatro cantos do Brasil. Herdou o acervo histórico da Real Academia Militar, fundada, em 1811, pelo Rei Dom João VI. Incorporou um passado de glórias da Academia do Realengo. Em 29 de junho de 1938, o então Presidente do Brasil, Getúlio Dorneles Vargas, assinou a Ata de Fundação.

.........A AMAN foi idealizada por um Ex-Comandante da Escola Militar  do Realengo, o Marechal José Pessôa Cavalcanti de Albuquerque, idealista exemplar. Ela tinha como pilares a Hierarquia e a Disciplina. Inaugurada em 1944, no Município Fluminense de Resende, passou a ser a Academia Militar mais antiga da América. Em 20 de março de 1944, 595 cadetes ingressaram pelos portões majestosos, agora tradicionais. A robustez daquela Turma refletia o prestígio nacional dos militares, liderados pelo Presidente Vargas.

.........Encontrei um  Templo do Saber em movimento. Rituais eram cultuados: um portão para entrar, outro para sair, Livro de Ouro, fotografias nas paredes, placas de bronze nas pérgulas, seleção rigorosa dos instrutores, Quadro de Trabalho implacável... cinzas dos que partiram...

.........Eu recebi, sempre, um tratamento cordial. Os oficiais nunca se recusaram a falar comigo. Eles me orientaram, no rumo certo. Todos eram líderes, compreensivos, amigos... Diziam que os cadetes formavam uma “Tropa de Elite.” Eu já tinha dado vários tiros com arma “perigosa”: a espingarda de rolha!

.........No decorrer dos 4 anos do Curso, vivi momentos alegres, tristes, emocionantes, perigosos, pitorescos...  Descobri, no andar da carruagem, as perdas e danos que as feridas emocionais provocam. São as mais difíceis de cicatrizar!

.........Na aula inaugural, o Comandante disse que faríamos amigos para a vida toda. A profecia se confirmou: lá, na querida “Fábrica de Cadetes”, fizemos grandes amigos. Alguns Eu nunca mais tive a oportunidade de rever. Fui aceito pela Turma, apesar de minhas limitações e defeitos. Ali, ninguém era super-homem! Deram-me o Nr 296... O meu antecessor tinha sido um magricela! Comecei de pé direito!

.........Nos primeiros meses de Instrução, o Cmt 2ª Cia, Cap Cupertino, futuro General e Comandante da AMAN, mandou colocar o meu retrato na parede (da entrada da ala). Perguntei ao Sargenteante, Cad Nagi, o motivo. Ele respondeu: “Você está entre os 3 primeiros...” (num grupo de matérias). Senti forte emoção, afinal, Eu tinha vindo de uma Cidade pequena (Sarandi – RS), do interior do Brasil. Eu estudava todos os dias!

.........O ano de 1974 foi marcado, também, por episódios emocionais. Eles refletem em tudo! Não se sabe quanto. A verdade é que influem nos resultados. A distância e os compromissos acadêmicos me afastaram, inicialmente, da minha primeira Namorada (da Terra Natal) e, posteriormente, da menina de olhos azuis (de Campinas–SP). Recebia, de meu Pai, uma carta por semana.  Numa delas, Ele contou que a querida Vó Helena já havia subido ao Céu. Eu gostava de passar as férias de verão com Ela... Nunca mais... Os fatos eram eloquentes: uma carreira de sacrifícios! O Pai contou que ficava triste, quando a  agência do Correio não funcionava.

.........Ao realizar a Pista de Aplicação Aspirante Mega, bati o recorde da Prova, segundo o Ten Mário Jorge. Passei no túnel com granada nova (de gás lacrimogênio). Na saída, ardia desde a pleura até o dedão do pé. Na Taça Alvorada (Atletismo), caí na passagem de bastão (4X400 m). Rompi o ligamento do ombro direito. Fiquei baixado no Hospital Acadêmico, durante uma semana. O “Dr Gesso” (engessava tudo!) disse que Eu era o Paciente mais triste! O Cap me incentivava a ser assíduo: “296, Você está acochambrando!” É que Ele não viu o tombo!

.........No Treinamento Físico Militar (TFM), quando o ombro ainda não estava 100%, o Cap Marcílio gritava: “296, teu braço está podre!” Ele era Resendense e nosso Técnico de Futebol. Dedicado, à noite, estudava Inglês. Na Instrução Militar, costumava dizer: “Certas coisas só acontecem com determinados cadetes!” E, às vezes, olhava para mim... Bons tempos!


.........No dia 13 Mai 1974, durante a Festa da Cavalaria, foi realizada uma demonstração de Salto Livre (Paraquedismo). O paraquedas de um Oficial demorou a abrir. Chegou ao solo muito rápido e caiu sobre a plateia. O Cap Orofino me empurrou com os pés, para não me esmagar. Caiu de costas. Quebrou a bacia. Eu não me machuquei. Mas fiquei com trauma até de andorinha!  A marca do coturno na camisa era a “prova do crime”... Todos vinham me olhar. Com o equipamento, o Combatente pesava mais de 100 quilos... Um Cad veterano me olhou e exclamou: “Olha, 296, um Cadete tem que ser muito raro para ser atingido por um PQDT!” Minha defesa: Eu fiquei preso na multidão! Tentei sair, mas não consegui!

.........Os meus companheiros me deram vários apelidos. Eu nunca fiquei magoado. Eles marcaram um pouco da minha trajetória. Quase todos tinham apelidos (até o Exmo Sr General). Tudo começou com “O grosso da tropa” (motivo ignorado). Seguiram-se: “Galopão” (pelo jeito de correr), “papa-rancho” (último a sair...) e “Cavalão” (por disputar medalhas com outro equino, “puro sangue”, da Família Bolsonaro).

.........Os Estágios de Instrução Especial foram marcantes. Numa noite muito fria, na Serra da Mantiqueira, as minhas mãos congelaram, na hora do jantar. Deixei cair parte da comida. Faminto, estava entrando em desespero... Estávamos todos com dificuldades. O Cad Jacobina teve a ideia de corrermos e cantarmos dentro das barracas, para nos aquecermos. E, assim, vencemos uma situação dramática! O prêmio foi ver o Vale do Paraíba do Alto do Pico da “Galinha Choca”. Obrigado, SIESP! Eu achava engraçado, durante a Instrução de Ofidismo, a “Regra do Cap Rabay”: “Cuidado, Estagiário! Se Você matar a cobra ou a aranha (caranguejeira), terá que indenizar! Elas são Patrimônio da Fazenda Nacional!”

.........Para a Festa do Espadim (25 Ago 1974), foi realizado um Concurso de Redação. Foi com alegria que recebi o resultado: 2º lugar. O Cadete vencedor (Forrer Garcia), dono de admirável fluência verbal, foi o vencedor. Foi o Orador da Turma, na presença do então Presidente Ernesto Geisel. Fiquei emocionado, quando o Cap Cupertino (futuro General) pediu-me uma cópia da oração. Era mais um passo! Eu me senti importante. Os fatos me apontavam para o caminho das Letras!

.........As instruções no Morro do Carrapicho deixaram saudades. O Ten Mário Jorge mostrava, com entusiasmo, as posições amigas e inimigas. Nós chegávamos, lá, já meio cansados. Eu não conseguia ver o LAADA (Limite de Defesa)! Na Instrução de Armamento, as peças voavam, quando o Ten Moré gritava o nome de alguém (Mecenas! Natalício! Derli! Herval!...). No Estande de Tiro, havia uma cobra solta, atrapalhando a Instrução, mas o Ten Domício impedia que algum Cadete tomasse atitude drástica. O ofídio tinha o apoio do EB e do E do B! Deitados, em posição de tiro, os Cadetes tinham que rezar ou dialogar com a serpente. O Tenente era “amigo da onça” (Piada que a Revista O Cruzeiro inseriu na Cultura Brasileira).

.........Na Equitação, aprendi a me afastar dos cavalos. Deram-me um equino que possuía medo de mim. Queriam me matar! Disparou pelo eucaliptal. Bati com o joelho numa árvore! Estou meio torto até hoje! Para atravessar a sanga, ele resolveu parar... Eu fui! Como é bom voar... ver a terra por outro ângulo... Diz a lenda: “Quando um militar e um cavalo caíam no rio, era montada uma grande operação... para salvar o cavalo!”

.........Sinto saudade dos Bailes Acadêmicos. Eles eram importantes para os Cadetes. Moças elegantes vinham de todas as cidades do antigo “Vale do Café”. Nutriam o sonho de conquistar o coração de um futuro Oficial do Exército Brasileiro. As noites eram longas e agradáveis... Sobrava tempo! Será que os Chefes de hoje sabem a importância que têm, para os cadetes, os Bailes de gala? Oportunizavam conhecer melhor as jovens e os colegas de turma.

.........No 2º ano, em um Exercício de Sobrevivência, fui elogiado por beber sangue de galinha, conforme havia sido ensinado na teoria. É um alimento altamente nutritivo! No excelente Exercício FIT (Fibra, Iniciativa e Tenacidade), desci um rapel de 70 metros de altura. Na metade, perdi a força dos braços. Desci 30 metros pendurado pela corda de segurança. Um Cadete religioso, o Sadon, foi quem me salvou. Ele desceu com o facão, sem segurança, e limpou a vegetação!  Obrigado, Companheiro! Não aconselho ninguém a entrar na “Fábrica”!


.........Alguns companheiros me indicaram para o cargo de Presidente da Sociedade Acadêmica Militar (SAM). Mais de 10 cadetes foram falar comigo. A todos respondi que Eu queria manter a média alta. Até um Empresário tentou me convencer a concorrer! A missão, honrosa, poderia prejudicar os estudos. Foi uma decisão difícil!

.........Em minha carreira esportiva, quatro vitórias foram marcantes: Pista Aspirante Mega (ouro), Corrida do Pentatlo (ouro), 1.500 m rasos (prata) e TAF da AMAN (4º lugar – 3.495 metros).

.........No 4º ano, um fato elevou a minha auto-estima: fui escolhido (por ter um automóvel Chevete), para conduzir a Miss Brasil, Srta Kátia Celestino Moretto, natural de Sorocaba – SP. Descobri a importância do intercâmbio. O Cadete deve estudar com constância, mas não deve viver isolado! Ele deve crescer, também, na vida social. No porvir, a sociabilidade será fundamental!

.........Em 1977, os companheiros me escalaram para coordenar a hospedagem dos familiares, durante a Festa do Aspirantado. Fui para o sacrifício! Perdi aulas e as notas baixaram. Minha classificação caiu de 7º para 10º/70 Artilheiros. Fiquei sobrecarregado e emagreci. Ingênuo e imaturo, chorei de tristeza!

.........Comecei a me reerguer, quando o Ten Cherem me indicou para assinar o Livro de Ouro! Obra histórica! Privilégio daqueles que passam os 4 anos sem sofrer punição escrita! Orientações verbais recebi dezenas! Fiquei emocionado, ainda, quando o meu Pai, já idoso, decidiu fazer uma longa viagem para valorizar a minha conquista. Obrigado, Pai (Fridolino)!


.........Cansado ou não, doente ou não, com remédios ou não, cruzei a “linha de chegada”, em 15 Dez 1977, com a média geral 8,137 (Menção MB). Objetivo atingido! O primeiro da Turma Tiradentes foi o Paulistano Emílio Carlos Acocela, com a média 9,475 (record!). Futuro General! Parabéns! Recebeu a Espada de Caxias das mãos do Presidente da República,  General Ernesto Geisel!


.........Com patriotismo e entusiasmo, fomos espalhados pela nossa imensa Pátria. Eu fui designado para servir no Rio de Janeiro, Capital Cultural do Brasil. Amigo Leitor! Se, hoje, sinto saudade daqueles dias emocionantes, perdoe o Cadete que ainda vive no meu coração verde-oliva! Obrigado, AMAN!

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