sexta-feira, 27 de abril de 2018

Lições do Passado



         Bom dia, Amigo Leitor! Ao admirar as canções e poesias gaúchas, percebi que a bela cultura do Rio Grande do Sul está se perdendo. Vocabulário que atravessou décadas da História é ignorado  parcialmente. O cidadão que não conhece o sentido das palavras perde muito em emoção e cultura. Com objetivo de colaborar no entendimento dos termos usados pelos escritores, apresento, após a poesia de hoje, o significado das palavras menos empregadas. Lembro, ainda, que nem todos têm o dicionário. Ninguém sabe tudo! Vamos crescer juntos! Desejo leitura agradável e emocionante.  C F VOGT.

MEU RANCHO!


Nasci no meio do campo,
Na costa do banhadal,
Dentro dum rancho barreado,
De chão duro e desigual,
Meu berço foi um pelego
Sobre um couro de bagual! 

Bebi leite na mangueira
Numa guampa remachada
E a cavalo num tição
Me aquentei de madrugada
Enquanto o vento assobiava
Nos campos brancos de geada!


Brinquei com gado de osso,
Na sombra do velho umbu
E assim volteando amargo
E o churrasco meio cru,
Fui crescendo e me orgulhando
De ter nascido um chiru!


Depois de andar gauderiando
Por muita querência estranha
Hoje vivo no meu rancho,
Na humildade da campanha,
Junto a chinoca querida
E o cusco que me acompanha!
Na estaca, em frente do Rancho,
Dorme o pingo, meu amigo,
Companheiro que eu adoro,
Prenda guasca que bendigo
Pois alegrias e penas
Sempre reparte comigo!


É meu vizinho de porta
Um casal de quero-quero,
Por isso, embora índio pobre,
Bem  rico me considero:
Tenho china, pingo e cusco
Do mundo nada mais quero!


E quando de noite a lua
Vem destapando o meu rancho
Agarro na gaita velha
Que guardo erguida num gancho
E dando rédeas ao peito
Num vanerão me desmancho!


E o meu verso é como o vento
Que vai dobrando a flexilha
E floreia compadresco
O hino desta coxilha
Entre os buracos de bala
Do pavilhão farroupilha!

É mesmo que o bombeador
Dos piquetes da vanguarda
Que vem abrindo caminho
Pras tropas da retaguarda
E enquanto a cordeona chora
Meu cusco fica de guarda!


E ali pela solidão,
Onde o meu canto escaramuça,
Parece que a noite velha
Cheia de mágoas soluça
E a própria lua pampeana
No Santa-Fé se debruça!

Mas pra deixar o sossego
Do meu rancho macanudo
Basta só a voz dum clarim:
Com china e cusco me mudo
Na defesa do Rio Grande
Que adoro acima de tudo!

( JAYME CAETANO BRAUN )


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VOCABULÁRIO

- Mangueira: grande curral de arame, pedra, madeira, junto à casa da estância, onde se encerra o gado...
- Tição: pessoa de côr negra.
- Chiru: índio, caboclo, moreno carregado...
- Cusco: cão pequeno, de raça comum, guaipeca...
- Pingo: cavalo bom, vistoso, fogoso, bonito, corredor...
- Guasca: tira ou correia de couro cru que tem muita utilidade nos misteres do campo...
- China: mulher campeira, indígena...
- Vanera: dança e canto popular originário de ritmo cubano, adaptado para a gaita-ponto...
- Vanerão: vanera em solo de gaita, alegre, vivo...
- Flexilha: variedade de grama ou capim, de boa qualidade, para a criação de gado...
- Bombear: olhar, observar, espionar...
- Bombeador: quem bombeia...
- Escaramuça: movimento repentino de rédea, que obriga o cavalo a efetuar diversas evoluções...
- Macanudo: muito bom, excelente, notável, respeitável...

(DICIONÁRIO GAÚCHO BRASILEIRO, de Batista Bossle).



sábado, 14 de abril de 2018

O Limite do Pior


.........Em 1978, durante um exercício do Exército, no inóspito Campo de Instrução de Gericinó, Rio de Janeiro – RJ, o então Capitão Rocha levou alguns militares para dentro da manga de segurança. O Comandante da Bateria Comando do 21º Grupo de Artilharia de Campanha (GAC) – Grupo Monte Bastione, queria rever os Postos de Observação (PO) de Artilharia construidos pela Missão Francesa (Contratada pelo Brasil, após a 1ª Guerra Mundial, para modernizar o Exército). Os PO possuem uma chapa de concreto por cima. São enterrados. E os franceses pediam fogo de Artilharia ... sobre eles mesmos! Entusiasmado, o Capitão não parava de caminhar. Era possível avistar o Presídio Bangu 1. O Sargento Dionísio, Chefe dos Calculadores, com as pernas assadas, estava exausto. Caminhava com as pernas abertas. Eu, ainda Aspirante, economizava água. Pedi para voltar. O Chefe quis saber o motivo. Disse que estava cansado, com pouca água e longe do Acampamento. E acrescentei: “Estamos chegando no limite do pior!” Serenamente, aquele oficial exemplar, apelidado de Marechal, segundo da Escola de Aperfeiçoamento e futuro General de Divisão, perguntou-me: “Qual é o limite do pior?” E, calmamente, continuou caminhando, procurando relíquias deixadas pelos grandes franceses. Eu, que já estivera com ele, em outros momentos de perigo, como a explosão das granadas da pista, decidi seguir o Líder. Cuidando para não pisar nas granadas falhadas... Se pisasse em alguma, poderia entrar em órbita! Que saudade!


.........Hoje, me lembrei daquelas jornadas juvenis. Eu queria entender o mundo. Dos Aspirantes que o EB mandou para a Cidade Maravilhosa, eu era o primeiro. Nesta época de Páscoa, ricos e pobres ficam sensíveis. Feridas emocionais, às vezes, voltam a sangrar. Alguns cidadãos  adoecem. Outros vivem no limite. Como que, por um milagre, todos concordam: é preciso começar de novo!   
   
.........Um Pai de Família compareceu a uma Escola de Porto Alegre. Queria entregar um presente ao seu filho, um menino de oito anos. Estava acompanhado pela Avó do guri. A Diretora não deixou o Pai do Aluno entrar. Nem ver o filho. Nem ao menos entregar o presente. A autoridade educacional estava cumprindo uma ordem judicial. Ao pé da letra!


.........O Pai do pequeno Aluno esteve afastado do convívio social, há meses, por ter sido levado, por líderes negativos,  ao mundo da droga. Recebeu pequena dispensa para visitar os familiares.  A cena foi forte. As professoras, acostumadas a ver o desmoronamento dos lares, não conseguiram conter as lágrimas. Se dependesse delas, o abraço aconteceria. O presente seria entregue. Haveria o reencontro. Talvez até o perdão. Mas a Lei é dura. É fria. Não entende o significado da Páscoa! Nem a Lição de Humildade da Quinta-Feira Santa que, há dois mil anos, se espalha pela Terra!  

.........Aquele Pai esperou tanto tempo. Longos dias. Existe  punição maior para um Pai? Não poder ver o filho amado? Sofre bem mais do que perder a Liberdade! É duro ter que voltar para casa, de cabeça baixa, com o presente escolhido com tanto cuidado.

.........O Sistema Prisional Brasileiro acredita na reeducação do punido. E não tem outra alternativa: o levantamento de 2016 apontou um número triste: 726.712 brasileiros estavam presos! 70 vezes mais do que os brasileiros mortos na Guerra do Paraguai! São vidas humanas! Que esperam ser salvas! Ninguém erra sempre! Eu tenho um amigo que bebia e já comemora 40 anos de sobriedade! Não há, no Planeta, um só homem que seja herói a vida inteira! O meu Professor de Direito da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), Resende-RJ, me disse: “Mais importante do que a Lei é o bom senso de quem a aplica.” O homem que, ao julgar, esquece os valores morais, constrói a injustiça!

.........Antes de entrar no mundo da droga, o homem deve se perguntar se quer deixar para trás a Família. A droga leva a saúde e a liberdade. Leva tudo! Voltar é difícil, às vezes, impossível. Provoca sequelas e invalidez! A culpa não é dos portões fechados! Numa cultura que protege os poderosos, o culpado nunca deixou de ser vítima!

.........Há casos históricos em que os filhos, mesmo tendo sofrido injustiças, por parte dos Pais, continuaram perdoando, tendo saudade, amando... As lembranças dos momentos felizes... Alguém se lembrou de perguntar, a esse Aluno estudioso, se ele queria receber o presente? Se ele queria rever o Pai? Se ele ainda ama o Pai? Daqui para a frente, um não irá precisar do outro para vencer na vida?  

.........Retornar do caminho da insensatez é missão quase impossível! Ser inteligente é não entrar em canoa furada! Quem naufraga é a vida! Não poder ver o filho na Páscoa é o limite do pior? Não! Não há limite para o pior! O que não impede o Brasileiro de cumprir o dever!


”Verás que um filho teu não foge à luta!”