sexta-feira, 8 de março de 2019

LIÇÕES DO PASSADO

.........Bom dia, Amigo Leitor! Com objetivo de conhecermos ou recordarmos o vocabulário empregado nos séculos passados, apresentarei uma poesia bela e de grande importância social. Ela é rica em palavras empregadas pelo homem do campo. Sem conhecê-las, não é possível entender a profunda mensagem do Poeta! São mais de 30 vocábulos que deixam o Leitor em dúvida! O Autor, um Gênio da Cultura Gaúcha, interpretou o sentimento dos trabalhadores. Bradou um “grito de alerta”! Como é possível uma Nação tão rica em Recursos Humanos abandonar o homem do campo? Como é possível um Brasil tão rico em recursos naturais deixar os idosos desassistidos? Repletos de virtudes e habilidades, mas desassistidos! O tema ainda é atual! Nas décadas passadas, a distribuição da renda não era a ideal. E hoje?
.........Após a emocionante poesia, apresentarei o significado de algumas palavras. Quando Eu era jovem, sabia de cor! É o meu incentivo aos declamadores de hoje. Vamos manter viva a Cultura Gaúcha! Vamos alertar os líderes! Vamos continuar crescendo juntos! Desejo leitura prazerosa. C F VOGT

TIO ANASTÁCIO

Entre a Ponte e o Lajeado
Na venda do Bonifácio
Conheci o tio Anastácio
Negro velho já tordilho;
Diz que mui quebra em potrilho,
Hoje, pobre e despilchado,
De tirador remendado
Num petiço doradilho...


Quem visse o tio Anastácio
Num bolicho de campanha
Golpeando um trago de canha
Oitavado no balcão,
Tinha bem logo a impressão
Que aquele mulato sério
Era o Rio Grande gaudério
Fugindo da evolução!


A tropilha dos invernos
Tinha lhe dado uma estafa,
E aquela meia garrafa
Dentro do cano da bota
Contava a história remota
Do negro velho curtido
Que os anos tinham vencido
Sem diminuir na derrota!


Mulato criado guacho
Nos tempos da escravatura,
Aquela estranha figura
Na vida passara tudo;
Ginetaço macanudo
Já desde o primeiro berro
Saía trançando “ferro”
No potro mais colmilhudo!


Carneava uma rês num upa
Com toda a calma e perícia!
Reservado e sem malícia,
Negro de toda a confiança,
Benquisto na vizinhança,
Dava gosto num rodeio,
De pingo alçado no freio
Pialando de toda a trança.


Tinha cruzado as fronteiras
Da Argentina e do Uruguai;
Andara no Paraguai,
Peleando valentemente,
E voltara humildemente
Como tantos índios tacos
Que foram vingar nos Chacos
A honra da nossa gente!


Caboclo de qualidade
Que não corpeava uma ajuda,
Na encrenca mais peleaguda
Sempre conservava o tino,
Garrucha boca de sino
Carregada com amor
E um facão mais cortador
Do que aspa de boi brasino!


Porém depois que os janeiros
Foram ficando à distância,
Andou  de estância em estância
E foi vivendo de changa;
Repontando bois de canga
Castrando com muita sorta,
E em tempos de seca forte
Arrastando água da sanga...


Ficou sendo um desses índios
Que se encontra nos galpões
E ao derredor dos fogões
Fala aos moços com paciência
Do que aprendeu na existência,
Ao longo dos corredores,
Alegrias, dissabores,
Curtidos pela experiência!


Tio Anastácio p’ra aqui;
Tio Anastácio p’ra lá...
Mandando mesmo que piá
Por aquela redondeza;
Nos remendos da pobreza,
Entrava e passava inverno,
Como um tronco, só no cerno,
Pelegueando a natureza!


Por isso é que nos bolichos
Só se alegrava bebendo,
Como se cada remendo
Da velha roupa gaudéria
Fosse uma sangria séria
Por onde o sangue do pago
Se esvaísse, trago a trago,
Por ver tamanha miséria!


E até parece mentira
-Negro velho de valor!-
Morreste no corredor
Como matungo sem dono;
Não tendo nesse abandono
Ao menos um companheiro
Que te estendesse o baixeiro
Para o derradeiro sono!


E agora que estás vivendo
Na Estância grande do Céu
Engraxando algum sovéu
P’ra o Patrão velho buenacho,
Não te esquece aqui de baixo
Onde a “lo largo” inda existe
Muito xiru velho triste
Como tu, criado guacho!


JAYME CAETANO BRAUN

VOCABULÁRIO:
.
1 – Lajeado: nome próprio (vila, arroio, local...).
2 – tordilho: cavalo, cujo pêlo lembra a plumagem do pássaro tordo (fundo geral branco encardido, salpicado de pequenas pintas escuras).
3 – potrilho: cavalo que ainda está no período de amamentação (no máximo até dois anos de idade).
4 – despilchado: aquele que não tem pilchas, mal-vestido, pobre, sem dinheiro...
5 – tirador: espécie de avental de couro curtido, macio, usado pelos laçadores, durante as lidas, para proteger a roupa e o corpo do atrito do laço.
6 – petiço: cavalo bem pequeno, baixo, de pernas curtas (Não é raquítico!).
7 – douradilho (doradilho): cavalo ou muar (mula) de pêlo avermelhado, com reflexos dourados, quando exposto ao sol.
8 – bolicho: pequeno estabelecimento comercial, bar, bodega, venda...
9 – golpear um trago...: golpear, trago, gole.
10 – canha: aguardente, cana, cachaça...
11 – oitavado: de lado, de esquelha, de soslaio.
12 – mulato: descendente de negro, mestiço de negro com branco.
13 – changa: serviço avulso, carreto, biscate. Trabalho de pouca duração e importância.
14 – corredor: estrada entre dois campos, separados por cercas de um lado e de outro. Indivíduo que monta o cavalo nas corridas.
15 – matungo: cavalo velho, ruim, sem préstimo, mancarrão, sotreta, pilungo...
16 – baixeiro: manta  de lã que se coloca sobre o lombo do animal, por baixo da carona, quando se encilha.
17 -  sovéu: laço grosseiro e  forte, feito com duas ou três tiras de couro torcidas, utilizado para pegar touros.
18 – xiru (chiru): moreno carregado, índio, caboclo. Do Tupi: meu companheiro.
19 – gaudério: indivíduo que viaja muito, despreocupado, bem de vida, querido por todos, folgazão, divertido.
20 – tropilha: porção de cavalos (dez a vinte) do mesmo pêlo e que seguem uma égua-madrinha. Tropilha de baios. Bando, grupo.
21 – guaxo: animal ou pessoa criada sem mãe ou sem leite materno. Sem arrimo, abandonado.
22 – ginetaço: superlativo de ginete. Ginete que cavalga bem e com garbo.
23 – ginete: bom cavaleiro, que monta bem, com firmeza e garbo.
24 – macanudo: muito bom, excelente, notável, superior, rico, respeitável.
25 – potro: cavalo ainda não domado ou iniciando o processo de domesticação.
26 – colhudo – cavalo não castrado, inteiro, pastor.
27 – alçar: levantar as rédeas. Fazer com que o cavalo levante a cabeça por meio das rédeas.
28 – pialar (pealar): laçar o animal pelas patas dianteiras, quando este vai correndo em alta velocidade, derrubando-o.
29 – trança: maneira de tratar os tentos, o cabelo, a crina... produzindo artefatos entrelaçados.
30 – taco: indivíduo hábil,capaz, jeitoso, perito. E nérgico, corajoso, guapo...
31 – peleaguda: que ameaça ter sérias consequências, arriscado, perigoso.
32 – garrucha: china velha. Pistola boca de sino, bacamarte.
33 – brasino: da cor da brasa (cavalo, gato...).
34 – pelego: pele de ovelha ou de carneiro, ainda com a lã, que serve de forro ao assento dos arreios.
35 – peleguear: bater com o pelego.
(DICIONÁRIO GAÚCHO BRASILEIRO - BATISTA BOSSLE)

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