O Circo é para Todos
.........Nos anos 50 e 60, vigorava no SARANDI um “sistema de mensageiros”. Quem passava pela Loja do meu Pai (FRIDOLINO) e da Dona IRMA (ou pela Rua TIRADENTES) deixava uma frase. Às vezes, duas. E seguia em frente. Algumas mensagens eram fortes. Crianças ficavam alegres, emocionadas, tristes, choravam... As informações, que circulavam com rapidez, faziam parte de uma espécie de defesa do Sarandiense. Apresento, a seguir, algumas mensagens daquela época. Talvez não sejam rigorosamente iguais. Mas o cerne dos fatos está preservado:
.........Na minha terra natal, havia poucos revólveres. Mas, muitas facas. O “CASO VERCI” aconteceu num sábado à tarde, num dos dias mais quentes do ano. Quando o mensageiro passou, largamos as bolitas e as pastilhas coloridas do Cine Guarany. Fomos ver o que estava acontecendo. Mas qual é o problema do sábado? No sábado, o diabo fazia a ronda! Era o dia da semana de maior ingestão de bebida alcoólica... E o VERCI? Quem era o Cidadão VERCI? Ele era trabalhador, pintor, pescador, bandeirinha dos jogos, um Brasileiro... Vi-o várias vezes, nunca sorrindo.
.........Fomos por uma estrada de chão, quase sempre descendo. Caminhando ligeiro ou correndo. Paramos na frente da casa da Mãe do VERCI. Era uma casa pequena, ainda não pintada, na beira da estrada, na Vila mais pobre do meu mundo...
.........Alguns cães latiam agitados. Os animais têm o dom de perceber momentos perigosos. Um alegre pescador, sem saber de nada, subia com uma fisga de peixes. O jantar estava garantido. O que seria daquele Povo sem as águas do BONITO? A Cidade não era para todos... Mas o Rio era!
.........Um rádio de pilha, estridente, ligado na então Emissora Sarandiense, tocava em alto volume “EL PRESIDENTE”... Eu não sabia o que fazer. Os piás não deviam saber tudo! Mas, na verdade, não precisavam me contar. Eu sentia pena deles. A cena era comovente. À pobreza e à falta de conhecimento somava-se o desgosto. O irmão não apareceu. A mãe sumiu. À minha direita estava o salão de baile do MARCÍLIO, junto à ponte do Rio Bonito. À minha esquerda, uma subida íngreme, margeada por uma fileira de casas simples, levava à Cidade dos Ricos... Me lembrei do Dr MILTON. Era o médico que mais ajudava os pobres. Onde andará numa hora dessas? Em PORTO ALEGRE? Por perto, não havia nenhum sinal de caminhonete... ou cavalo.
.........Como transportar morro acima aquele rapaz alto, magro e pesado? Decidi voltar. Os grandes estavam tomando providências. No pátio da casa, ao lado do Cinema, voltamos a brincar, cheios de fantasia. Naquela tarde de verão, distante e triste, passaram mais dois mensageiros. O primeiro deles, bastante abatido, informou para a meninada o seguinte: “O VERCI MORREU!”.
.........Eu larguei as encantadoras bolitas (algumas compradas na Capital). Fui me levantando lentamente. Fiquei pensativo. Eu estava lá, agora há pouco... Por que não salvaram o VERCI? Por que era pobre? Eu tenho bons amigos no CATUMBI! Por que não perdoar?
.........O segundo mensageiro veio da Avenida. Com alegria, exclamou: “HOJE TEM CIRCO!” Com tristeza, perguntei: “PARA QUEM?” Com entusiasmo, ele respondeu: “O CIRCO É PARA TODOS!” E seguiu o seu destino, até desaparecer, ao cair da tarde, lá pelas bandas da Estação...
OBSERVAÇÕES: Durante Missa realizada no local, numa Semana Santa e Missão Religiosa, os Padres Capuchinhos batizaram o CATUMBI de VILA SANTA CATARINA, sob a proteção de DEUS. – O Inquérito Policial do Caso VERCI queimou no incêndio do Fórum. - Quase trinta anos depois, a Cidade recebeu a primeira ambulância.
OBSERVAÇÕES: Durante Missa realizada no local, numa Semana Santa e Missão Religiosa, os Padres Capuchinhos batizaram o CATUMBI de VILA SANTA CATARINA, sob a proteção de DEUS. – O Inquérito Policial do Caso VERCI queimou no incêndio do Fórum. - Quase trinta anos depois, a Cidade recebeu a primeira ambulância.