sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

O Incêndio do Empório



      Um dos capítulos mais dramáticos do Livro da História do SARANDI iniciou, simultaneamente, no aconchego dos lares. Por intermédio de diálogos rotineiros, os moradores foram, paulatinamente, percebendo os fatos...
      Na minha casa, naquela noite de domingo, o Pai (FRIDOLINO) terminava de fazer a barba, com uma navalha. Escutava, na RÁDIO FARROUPILHA, o Grande Rodeio Coringa... com o DARCI FAGUNDES e o LUIZ MENEZES.
.........Perguntei: “Cadê a Mãe?” Respondeu: “Foi dormir. Amanhã terá que levantar cedo... para trabalhar no balcão da loja.” Continuei: “Tem cheiro de queimado!” Ele afirmou que não havia nada ligado. Disse-me para não fazer barulho. Esclareci: “O barulho vem lá de fora... Correm e gritam!” Desligou o rádio. Abriu a janela da cozinha. Olhou a Rua TIRADENTES. Apresentou o diagnóstico: “Tá havendo um incêndio... dos grandes!”.
      Corri para as janelas da Avenida. Na curva da sala, perdi a alpargata do pé direito. Abri a janela do quarto do Pai, totalmente. O Clube HARMONIA estava intacto. A residência do ex-Prefeito OLÍMPIO OLTRAMARI, Pai do JOELSON, na outra esquina, estava salva... Girei a cabeça para a direita... “Meu DEUS!” Havia, na parte alta da Cidade, um clarão assustador. Dei graças a DEUS que aquele fogaréu não estava ocorrendo no Centro do meu pequeno SARANDI.
      Senti medo e curiosidade. Avisei a Mãe: “Vou ver o incêndio!” Ela controlava tudo: “Bote o congo e a brim coringa!” Conhecia a “figura”. Sabia que iria correr. Fiquei com a mesma camiseta: branca com o distintivo do INTER. Na área dos fundos, pisei num rabo “gatino”. O “ZEU” reclamou: “MIAAAUU!” Corri pelo pátio. Pulei o muro. Não havia grades. O senhor ARDUÍNO, amigo do Pai e do TOBIAS, subia com um filho, para ajudar. O pessoal que saiu do Café Central estava na frente do Cinema. Alguns caminhavam. Outros corriam.
.........Na frente da residência dos PICCINI, o senhor VITÓRIO, com o rosto inchado, me informou: “O ÍTIO já foi, com o ITAMAR da DUNILA!” À minha frente, caminhava o “Velho PELIZZARI”, Pai do bondoso LUIZ da Laminadora. Passei por ele e alguns DEMARCO. Na esquina do Hotel do PERUZZO, Pai do VLADEMIR, tive um problema de relacionamento social... com um canino. Na primeira fase, o “guaipeca” correu atrás de mim. Na segunda, corri atrás dele, até a majestosa casa do Dr MÁRIO AZAMBUJA, o “TIO BUJA”... Fiquei furioso. “Quem ele pensa que é!” Latindo, chamou-me de nojento... e citou a minha Mãe!
.........No Moinho “OURO BRANCOSA” (Quase ninguém sabia o significado de SA = Sociedade Anônima), o cheiro de borracha queimada era “ensurdecedor”, como dizia um amigo do COLÉGIO SANTA GEMA GALGANI.
.........O SERIOLLI me viu: “QUICO, onde vai com tanta pressa?” Eu tinha uma resposta para cada perguntador: “Vou ver o cometa!” Ele quis saber: “Onde está?” Acrescentei: “Pra lá de CONSTANTINA!” Na esquina, atropelei um GIORDANI... “Não foi nada! Só caiu a dentadura...” Coitado! Comecei a aprender que o pânico é mais perigoso que o fogo...
.........No outro lado da Rua, havia um casarão de madeira mal-assombrado. Fui costeando seu muro de dois metros de altura, ainda por pintar. Na frente do portão, pisei em algo mole e proibido... Uma gordinha, da Família JARARACA DA SILVA, fez uma baita gritaria: “CUIDAAAADO! OLHA O QUE QUE TU FEZ! TU PIZÔ NA MANGUERA DO CASTELLI!”.
.........Eu disse que não fiz por querer. Ao lado da venenosa, havia um humano, com o nariz inflamado pelas abelhas... Pronunciou-se com rara sensibilidade: “Por que não mandam o filho do FRIDOLINO pro Quartel?” (Naquele tempo, não era usada a palavra adolescente. Compreendê-lo não fazia parte da cultura. A vara de marmelo... e o chinelo “pegavam parelho”).
.........Não me defendi. Aquele cidadão-chaminé, que só parava de fazer fumaça quando dormia, foi coerente.
.........Afinal, a minha “ficha técnica” estava “mais suja do que pau de galinheiro”.
.........Havia jogado pedras na Casa Santo Antônio, para derrubar os ninhos dos marimbondos. Estes atacaram o VITÓRIO PICCINI, Pai do ÍTIO, e outros... Deixei escapar um pneu na descida da Avenida. Bateu, justamente, na vitrine do Cine Guarany. Acusaram-me de tentativa de assassinato de um barbeiro. Ou dois. Ao testar um carrinho de lomba, feito em parceria com o Carpinteiro TOCHETTO, atropelei um Fiscal do Governo, ao fazer a curva na TIRADENTES... Multou a loja do Pai e outras. Fui visto colhendo milho na roça do DAMIANI, Pai do SELVINO PLÍNIO. Uma “linguaruda” espalhou pela Cidade que “retirei” bergamotas do pomar do FREDDO, Pai do ARY ALBERTO... Para fechar com chave de ouro o meu “curriculum vitae”, ou prontuário, só faltava ter um caso de amor... com a filha do Cabo da Guarda do Destacamento... A guria já havia me mandado um bilhete... com mel... O NONO GAVA queria me mandar para outro país: SANTA CATARINA ou PARANÁ!
.........Vamos em frente! Está bom assim... SARANDI não é LONDRES! Fui me adaptando, aos poucos, àquela situação dramática. Uma torneira da residência da Família CASTELLI fornecia água para o combate ao fogo. O líquido precioso era conduzido pela mangueira e por baldes. Na verdade, várias casas forneciam algum tipo de ajuda. A moradia do senhor ARTUR REZENDE, Pai da menina TEREZINHA, estava na iminência de queimar. Desci mais um pouco. Tentei ficar na frente do Bar Primavera, do senhor MARCO BONI, amigo do Pai... e genitor do meu amigo LEMES... Não consegui. Continuei descendo. Parei num local estratégico: na frente da porta de baixo do HOTEL E CHURRASCARIA IPIRANGA, depois SARANDI.
.........Eram 23 horas e 30 minutos quando comecei a observar aquele fogaréu ameaçador. As chamas estavam no auge, ou muito próximo... 500 pessoas assistiam à queima do Destacamento da Brigada Militar. Formavam um grande semi-círculo. Num raio de 300 metros, nenhuma casa estava segura. Estávamos ali para salvar a Cidade. O destino dos prédios, porém, não estava em nossas mãos. E, sim, nas do vento. Este era famoso nos potreiros do ALTO URUGUAI: o Minuano!
.........O vento soprava de SW (Sudoeste) para NE (Nordeste). Estava fraco. Era uma brisa leve. Graças a DEUS! O que poderia acontecer se o Minuano dos Poetas estivesse brabo? As labaredas queimariam as janelas do HOTEL, no outro lado da Avenida. Talvez queimassem, também, o telhado, o madeirame... o posto de gasolina da esquina poderia ir pelos ares... com graves consequências. O fogo poderia se alastrar. O prédio do senhor JÚLIO ZORZETTO, que já estava quente, na outra esquina, arderia em chamas.
.........De repente, gritaram: “OS BOMBEIROS JÁ SAÍRAM DA PALMEIRA!” O que fazer enquanto eles não chegam? Os coordenadores decidiram priorizar o salvamento da casa do senhor ARTUR. O pavilhão maior do EMPÓRIO, que ficava para o lado do CENTRO, queimava a poucos metros do lar dos REZENDE. As chamas atingiam mais de 10 metros de altura. As tentativas feitas para abrandá-las, com mangueiras e baldes, foram infrutíferas. Devido a fatores culturais, a Cidade não possuía hidrantes... O que limitava a ação até dos especialistas.
.........Sobre o telhado da casa em apreço, havia um punhado de homens valentes. Eu os considerava heróis... sem nome. A missão deles era esfriar o prédio. Eu via a água escorrer pela parede. Com bravura, estavam conseguindo cumprir a missão. Não consegui ver o rosto deles. Que pena! A confusão era grande. O medo também. Eu seria o primeiro a propor um prêmio. O título de CIDADÃO EMÉRITO, no mínimo. Corriam uma série de riscos. O homem da beira do telhado, próximo do “inferno”, estava com um pé na telha... e outro no Cemitério... Ele poderia intoxicar-se pela fumaça. Queimar-se total ou parcialmente. Cair do telhado. As consequências da queda são difíceis de prever... Por uma questão de justiça, aquele punhado de heróis deveria ser premiado. O exemplo de coragem e solidariedade deles não deve se perder no “mar da ingratidão humana”...
.........Fiquei emocionado, de novo, quando percebi que estávamos, grandes e pequenos, ricos e pobres, sábios e incultos, irmanados na impotência... unidos na dor... comungando o mesmo medo... a falta de estrutura, de uma Cidade pequena, do interior do BRASIL... salvos por uma tábua que não queima: A ESPERANÇA!
.........O senhor BAÚ trouxe o filho CLÁUDIO. O TAVELA, o ZENO. Os DEMARCO trouxeram a coragem e a boa vontade. O LAURO, Pai da SELMIRA, cruzou a Cidade. Trouxe o inseparável cavalo... para puxar água... Ele ainda não sabia que nem quarenta cavalos seriam suficientes...
.........Várias pessoas colocavam as mãos na parede do prédio do ZORZETTO. O calor aumentou por lá. As labaredas do pavilhão menor do EMPÓRIO aumentaram... Eles lamentavam o fato de que o incêndio terrível tenha acontecido tão perto.
.........O Sarandiense, já conhecido pela religião, o trabalho e a coragem, agora mostra ao Mundo a sua fraternidade... O RUI RABELLO traz alimentos para os voluntários... O BENITO PAPINI, alguns escoteiros e lobinhos... O ERVINO, a calma e a esperança...
.........Os ROSSI trazem material. Os coordenadores recebem os baldes do JOÃOSITO e do TITO. Testam a mangueira. Não chega até as torneiras. Devolvem ao senhor HUGO...
.........Chega um gaudério pilchado. Estava no Bar do MATTEI... bebendo para esquecer. Puxou um facão três listras. Eu não entendia o objetivo... Externou o seu plano: “Vou dar uns pranchaços no tal de KURTO!” Uma senhora, daquelas que só lia rótulo de salame, deu um palpite: “O safado já deve estar pra lá da SOLEDADE!” Alguns concordaram com ela... Que falta que faz um bom Professor! (Um empresário havia dito que o culpado era o curto... circuito).
.........E por falar nele... Manuteniram a rede elétrica? Trocaram os fios velhos? E os desencapados? O incêndio foi criminoso? O prédio estava no seguro? Havia um Plano de Combate a Incêndio? Naquela época, não era costume segurar prédios. Não sobrava numerário...
.........O princípio do sinistro ocorreu quando a maioria dos moradores já estava em suas camas. O fogo tomou vulto. Ninguém percebeu. A luta era inglória... A Cavalaria do EXÉRCITO ensinar-me-ía, mais tarde: “Uma coisa é uma coisa. Outra coisa é outra coisa!” Que profundo! Traduzindo: princípio de incêndio é uma coisa. Incêndio é outra coisa. Aquele pode ser apagado até por um humano não confiável, de baixa qualidade, do tipo alcoólatra... O incêndio, porém, às vezes, não pode ser apagado nem por um humano de grande valor, tipo Bombeiro da Brigada...
.........No telhado da casa do senhor ARTUR, a situação estava crítica. O homem da ponta da equipe tapou o rosto com o braço direito. Estava assando. Recuou um pouco. Parecia que iria “apagar”. Pediu para ser substituído. A madeira de lei demorava para queimar...
.........Surgiu um fato inesperado... e complicador: o fogo chegou no Paiol de Munições da Brigada. Começaram a explodir, um por um, os cartuchos calibre 38. As armas derretem com a alta temperatura. O princípio de pânico volta. Correm para fugir dos projetis... Para onde eles vão? Derretem? Sobem?
.........Alguém grita da porta do HOTEL: “OS BOMBEIROS ESTÃO NA BARRA FUNDA!” Um humano, tipo “Amigo da Onça”, assusta a plebe ignara: “Não vai dar tempo!” Podia ter ficado quieto... O pânico joga contra o Cidadão. Acontecem explosões maiores. Uma senhora loira “desaba” perto da garagem da casa do ARTUR. Vinte pessoas, aproximadamente, retiram móveis. As janelas parecem fumegar. A residência vai queimar a qualquer momento. Não se vê mais o proprietário... Agora são vários Sarandienses na iminência de entrar em pânico... O que havia estocado lá, além da munição? Gás? Combustível? Explosivos?
.........Um morador de origem alemã indagou por que a Cidade não possuía uma viatura dos Bombeiros. Um italiano respondeu: “SARANDI nunca teve incêndio!” Ele não se lembrou do fogaréu implacável que reduziu a cinzas a profícua Malharia da Dona NAIR, no coração da Cidade...
.........A discussão foi boa. Foi longe. Mas não entraram no cerne da questão: quanto vale uma vida? Se, ao longo dos 365 dias do ano, o caminhão-tanque salvar uma vida, o preço dele não estará pago?... Sou de parecer, salvo melhor juízo, que a viatura estará muito bem paga!... A grande moeda é a vida!
.........Os curiosos são afastados por um Soldado. É o Pai do ADEMAR. O BALASTRELLI do Bar oferece a “purinha”. Aquela que matou o guarda. Esclarece: “É para espantar o medo!”.
.........Um advogado acalma as pessoas. Sabe que o pânico não ajuda. Atrapalha. Provoca perdas e danos. Com as mãos espalmadas exclama: “A sindicância vai apurar tudo!” Um colega de aula me indaga: “Quem é esta tal de SINDICÂNCIA?” Esclareço: “A Secretária do Delegado!... Uma loira...”.
.........Um marceneiro constata com tristeza: “Olha! O fogo está queimando as madeiras de lei da porta principal!... Parece um castigo!”.
.........É um castigo? Quem estaria sendo castigado?
.........Os novos assistem à queima de tábuas. Não são, apenas, as madeiras do DESTACAMENTO que ardem. Os antigos, saudosistas, escritores, poetas, meu Pai, meu irmão e eu choramos o Incêndio de ROMA... digo: do EMPÓRIO MERCANTIL DO SARANDI...
.........Choro o fim daquela janela... em que o Pai esperava o meu irmão... vir buscá-lo para voltar para casa. Choro a queima da porta, onde a competente Dona IRMA, filha do MACCARI da “gasosa”, esperava os fregueses, com um belo sorriso. Choro a extinção da janela da sala, na qual o PROCÓPIO fazia, com exemplar lisura, a contabilidade... E, por derradeiro, choro a extinção da sala, da qual o SILIPRANDI comandava o IMPÉRIO, digo: EMPÓRIO... Não choro por ti, tábua! Choro por lembranças...
.........O que as empresas e os homens têm em comum? Não “cavalgam” ambos pela mesma curva? A curva da vida. É uma senoide? O IMPÉRIO ROMANO viveu ascensão, apogeu e queda. Quando foi o começo do fim? O IMPÉRIO teria provocado a ira do Céu.
.........E, ao partir para NOVA YORK, o maravilhoso navio TITANIC, em 1911, no Porto de LIVERPOOL, não teria esquecido de escutar um menino da catequese? Qualquer um deles diria ao poderoso empresário: “Cuidado, Tio! Deus afunda qualquer barco!”.
.........O EMPÓRIO cometeu injustiças? Teria provocado a fúria do Criador? Por onde andou? Com quem? O que ele fez, afinal, ao longo de todo este tempo?
.........Como um rio que vai para o mar, o EMPÓRIO dos Irmãos MOTTIN “ziguezagueou” por entre as “pedras”... da Economia... e os “balaços” da História... Na Era VARGAS, chorou a queima dos cafezais. No outono de 1945, festejou, com saboroso vinho tinto da colônia, o fim da Segunda Guerra Mundial. Na década de 40, viveu período de “vacas gordas”. Criou empregos para o Povo. Liderou o comércio regional... Reunia incontáveis cavalos, carroças e “modernos” caminhões. Máquinas do “último grito”... fabricadas “namérica”... Centenas de fregueses vinham “fazer o rancho”, oriundos da Cidade, arrabaldes e colônia...
.........Sempre elegante, com chapéu Ramenzoni, ocupou os melhores lugares... no Café Central, no Clube HARMONIA, nos bares, nos lares, nos altares... Nos ”bailes da vida”, dançou com as mulheres mais carinhosas...
.........Em 1947, começa a rachar o casco do navio. Ou melhor: de uma parede. Os salários foram congelados... Em 1950, emprestou seus “braços cansados” e suas “mãos calejadas” para reconduzir o querido GETÚLIO ao primeiro “poleiro” da Nação.
.........Uma vez abatido o ânimo dos seus seletos profissionais, o EMPÓRIO entrou, paulatinamente, em período de “vacas magras”.
.........Em 1954, comove-se com a morte do Presidente VARGAS, o “Pai dos Pobres”... Uma criança é acusada de furto de um relógio. É justo? É legal? As crianças brincam... com as coisas que encontram pelo caminho...
.........O número de fregueses cai, aos poucos. Funcionários são alvos de brincadeiras de mau gosto. As horas longas passam. Os fregueses não chegam.
.........Em 1956, o BRASIL acelera. Os Americanos aplaudem. JK quer crescer 50 anos em 5! Em 1957, o congelamento dos salários do EMPÓRIO completa 10 anos. É justo? Racha o casco a bombordo, ou melhor: uma parede da frente do poderoso EMPÓRIO MERCANTIL DO SARANDI...
.........No segundo lustro da saudosa década de 50, ele perde o FRIDOLINO, o PROCÓPIO, a Dona IRMA... Em 1958, comemora a conquista do primeiro “caneco” da Seleção Brasileira. O Povo, arrastado pelo JUCELINO, constrói BRASÍLIA. A economia, com as suas próprias verdades, se encarrega de desconstruir o EMPÓRIO... Como um leão ferido, agoniza no Governo JK. Deixará, com certeza, muita saudade. E um grande vazio... que será ocupado por lojas de “secos e molhados”: IOPI, MAZZOCCO, GIORDANI, PASQUALOTTO, DALBOSCO, NATALINO, FRIDOLINO...
.........Os Bombeiros, finalmente, entram na Cidade. Vieram pela estrada velha, da Cantina, que o NONO GAVA ajudou a construir... A viatura passa pelo Cemitério. A sirene é estridente. Acorda o resto dos moradores. O Povo aplaude. Agora quem chora sou eu. O semicírculo fica maior. Os REZENDE esboçam um sorriso. A casa deles salva-se por um triz! O Povo Sarandiense aplaude, com mais força, os heróis da PALMEIRA DAS MISSÕES... Fortes jatos d’água atingem a base do fogo. O Sargento avisa: “Vamos precisar de um hidrante!”... Vai faltar água...
.........Meu Pai já não esconde o rosto molhado... Deve ter sido difícil assistir em silêncio... a queima de dez anos de lembranças. São bem mais do que dez tábuas... Está virando cinzas... um sonho... de grandes homens...
.........MACHADO DE ASSIS emocionou-se, outrora, com o “naufrágio das paixões”... O Sarandiense, agora, emociona-se com o “incêndio dos sonhos...”.
.........Em 1957, as "águas da ingratidão" do EMPÓRIO levaram seus homens de ouro embora... seu "traje de gala", as "chamas da vida", levam agora...

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POST-SCRIPTUM: Esta é a terceira edição desta obra de ficção, mas baseada em fatos reais.


Foto Inicial: Empório Mercantil, onde o Fridolino trabalhou entre 1947 a 1957.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Camisas Perdidas



.........O objetivo deste trabalho é apresentar ensinamentos que brotaram da análise das brigas de outrora. A causa é nobre: deixar para os jovens uma Cidade melhor. Em alguns domingos à tarde, não havia o que fazer, em minha terra natal. Os rolos de filme não vinham de CARAZINHO. Não havia matinê! O ônibus do ITAPAGÉ, de FREDERICO WESTPHALEN, quebrava na estrada de chão. Não havia jogo, no Campo do HARMONIA!  Acompanhava, então, o Pai (FRIDOLINO), o senhor ARDUINO GIOVANINI, o senhor TOBIAS BACHI... ao Bar do MATTEI. Jogavam cartas com entusiasmo. Principalmente, o “3 – 7”...

.........Eu estava junto ao balcão. Tomava gasosa do HERMES MACCARI e comia “mandolato” da BOA VISTA. Foram longos domingos de amizade e paz. Até que um dia, um jogador de cartas, de origem italiana, cometeu um ato de desonestidade... “Tiavou não sei o quê!”. Começou uma “discutissão” das brabas! Espalhou-se pelas quatro mesas do Bar. Todos ficaram de pé. Foram discutindo e saindo do Bar. Na esquina da Avenida EXPEDICIONÁRIO com a Rua JÚLIO MAILHOS, não passava nenhum auto! Havia mais de duzentas pessoas discutindo ou apartando a briga! O boné de um Italiano voou longe. Graças a DEUS, não chegou haver luta corporal. Eram Pais de Família, honestos, trabalhadores... Alguns deles receberam a honraria máxima do Município: “Cidadão Sarandiense”...
.........Aquela turma de boné e suspensório, no jogo de cartas ou na vida, cultuava a Honestidade. Sem esta, o mundo perdia o brilho! Eram felizes com pouco. Eu me emociono, quando me lembro daquele episódio: a briga não começou em respeito à presença de uma criança... As ondas sonoras da ZYU 36 atendiam o pedido de uma loira de blusa amarela: “PROFESSOR APAIXONADO”, com NILTON CÉSAR... Havia coisas bem mais importantes... Palavras são como flexas: podem ferir! Brigas são como portas: podem fechar... para sempre!
.........Numa noite de verão, eu me deslocava pela Rua TIRADENTES. Queria comprar pastel na Rodoviária do senhor ALVES. Estava havendo uma grande confusão. Informei ao Pai, amigo de brincadeiras e perigos... Ele me disse para não apartar a briga: os que apartam, às vezes, acabam morrendo. Alguns homens estavam tentando segurar o Motorista da Patrola. Movido pela curiosidade, cheguei mais perto. O furioso homem, seguro pelos braços, jogou os pés contra o rosto do cidadão que havia lhe magoado. Uma multidão era testemunha de mais um escândalo daquele competente profissional. Dependente químico sem nenhum tratamento, já não escondia o tremor das mãos... Não havia a cultura de internar nem de tratar. Numa época em que não havia prontuários, nem esperança. Eu ainda era pequeno, mas assisti, com tristeza, ao naufrágio de uma família inteira... provocado por um “hábito” que parecia inofensivo. O BRASIL salva, apenas, 30% dos alcoólatras! Ser inteligente é não começar...
.........Quando o doutor JONES ZANCHET, filho do MASSIMO, era o Presidente do HARMONIA, fui ao Clube, à noite, para comprar sonhos. O PAULO ROBERTO BLANK, locutor da Rádio SARANDI, fazia brincadeiras, junto ao balcão. Começou uma briga entre dois torcedores. Com caipirinha nas veias, um queria acabar com o outro. No auge da fúria, faltou luz na Cidade. Ninguém via nada! Havia o risco de alguém ser atingido por uma cadeirada perdida. Ciente do perigo, fui me proteger na sala do Presidente. Fiquei na porta aguardando os fatos. O ecônomo não tinha nem lanterna. Contar com a sorte fazia parte da nossa cultura.  Seguiram-se momentos de suspense... O brigão, que se achava mais esperto, cometeu um erro estratégico: acendeu um fósforo! Tomou uma bofetada cinematográfica! Os palitos de fósforo voaram! A situação piorou: sem luz, sem fósforo, sem lanterna, com um ferido... Quando a luz voltou, o Clube já era outro. Os homens também! O senhor ILDO MANFRO colocou na Eletrola um novo "Long Play" (LP): “ERA UM GAROTO QUE COMO EU AMAVA OS BEATLES E OS ROLLING STONES”... Ao chegar em meu lar sagrado, a Mãe (JOVILDE) me perguntou sobre os sonhos... A causa do conflito foi a personalidade forte dos envolvidos. O orgulho provoca discórdia. A humildade é marca dos grandes homens!
.........Nos anos 50 e 60, não havia briga de torcidas em SARANDI. Fato elogiável! Futebol é arte e alegria. Violência nunca foi Futebol.  A briga mais longa ocorreu na época do Ginásio. Durante um jogo de futebol, realizado num gramado que havia do lado de cima do Ginásio Sarandi, um zagueiro marcava com rigor um centroavante. Começaram discutir. Trocaram socos e pontapés, por mais de meia hora. Não houve perdedor. Nenhum deles caiu. Não cansaram. Não aceitaram ser apartados. Os colegas de aula ficaram admirados pela coragem e resistência dos contendores. Na verdade, a gente pensa que conhece os irmãos... As camisas ficaram imprestáveis! Ainda hoje, é difícil ensinar aos estudantes “SABER PERDER”. Um queria, apenas, fazer gol. O outro não queria deixar. Ambos estavam certos. Mas a deslealdade não deveria ter entrado em campo! O homem de caráter joga limpo!
.........Num baile realizado no antigo Salão do Ipiranga, o Soldado PAIANI foi atingido por um tiro de revólver nas costelas. Ele era um Brigadiano muito benquisto na Cidade. Ainda na mesma noite, fui, com alguns amigos, ao Hospital Santo Antônio, do doutor MÁRIO AZAMBUJA. Estávamos muito preocupados. Entrei na Sala de Cirurgia. O bravo Militar me recebeu sorridente. Estava feliz por estar vivo. Inclinado numa cama, sem camisa, mostrando, no lado direito do peito, o furo da bala... Passou entre as costelas. O projétil atravessou “fora e fora”, mas, segundo a Enfermeira, não atingiu nada importante... O ADEMAR (“GAUCHINHO”), filho de um outro Brigadiano, disse que o amigo PAIANI estava fora de perigo... Já tinha tomado uma aspirina! A camisa do sobrevivente, não dava mais para usar. Mas seria guardada de lembrança... Bons tempos! Se um Carioca toma um balaço desses, desmorona na hora! (Uma causa importante daquele episódio: falta de uma Cultura de Segurança. As autoridades têm o dever de impedir que os cidadãos entrem armados nos bailes! Por que entrar com armas nos bailes, nos estádios, nos cinemas...?). Se beber, não dirija, não atire! A bebida alcoólica contribuiu... para estragar a noite...
.........Meus jovens! O Povo Sarandiense sempre foi religioso e pacífico. Minha terra natal nunca foi “SARANDI DO OESTE!”. Era um lugar de fraternidade sincera. Guris pobres brincavam junto com guris ricos. Os médicos sabiam os nomes dos pobres. Atendiam e curavam, sem cobrar, sem papelada... Tudo era para todos.
.........Quando fui estudar na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), em 1974, nos primeiros dias, dois cadetes brigaram. Eram de regiões e culturas diferentes. O então Capitão CUPERTINO, Comandante da 2ª Companhia, fez uma formatura para explorar o episódio. Transmitiu orientação e experiência. Concluiu sua eloquente fala, dizendo: “A MELHOR BRIGA NÃO VALE A CAMISA!” (A PAZ é um Objetivo Nacional Permanente).

sábado, 1 de fevereiro de 2020

Jogando com o Destino


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.........Ao iniciar estas linhas, afirmo que este trabalho foi um dos mais difíceis para mim, sob a ótica emocional. E a seguir, antecipo duas respostas, a perguntas inevitáveis. Por que não escrevi antes sobre este assunto? Porque não tive condições de abordá-lo com profundidade. Tenho o direito de escrever sobre este episódio? Sim. Tenho. O evento histórico que ocorreu não me pertence. É do Povo Sarandiense. Iniciarei o resgate dele. E, após, entregá-lo-ei de presente, para ser preservado às gerações futuras. Não tenho arquivos, nem fotografias. Não é um trabalho de historiador. Tendo o cuidado de não magoar, evitarei declinar nomes. Mesmo porque alguns personagens daquela efeméride já não “cavalgam” mais por estes rincões...
.........Num domingo ensolarado dos “Anos Dourados”, eu e alguns torcedores e atletas juvenis do HARMONIA, por algum motivo forte, decidimos não assistir ao filme da “matinê” do Cine Guarany, do “seu DÂNDALO”... Antes das 15h, já estávamos no Estádio da Baixada. Era dia de clássico municipal. Nos posicionamos, calmamente, nos degraus do lado direito do pavilhão da arquibancada. Éramos um grupo homogêneo. Havia guris com cabeça de homem. Homens com cabeça de guri. E guris com cabeça de guri. Uma geração de corações sem maldade... “OH! Que saudade matadeira!”.
.........Um amigo leal, que estava sentado à minha direita, chamou-me a atenção para uma presença especial na torcida. Estava no centro do pavilhão, um pouco abaixo e à esquerda de nós... a 7 metros de distância... Eu tive dois problemas naquela velha tarde de domingo. Naquele momento, estava começando o primeiro: a moça! Ficamos perturbados com a presença da menina-moça... Pertencia à elite social do Pequeno SARANDI. Fiquei pensativo... Não tinha como não pensar... Alguma coisa não fechava. Faltava uma peça para montar o quebra-cabeça. Tinha ouvido falar dela. Agora estava ali, perto de mim, ao vivo e a cores. Que mistério! Nossos caminhos nunca haviam se cruzado. Por quê?
.........As equipes já estavam no gramado. Feito o sorteio. O Juiz apontou para o lado do CARAZINHO. A sorte estava lançada. Naquela trave ficaria o goleiro ALVI-AZUL. O HARMONIA chutaria para o lado da Cidade... ou da PALMEIRA. Até aí tudo bem. O jogo valia pelo campeonato. O momento era de tensão. Eu era “doente” do HARMONIA. Treinava contra os titulares. Sonhava ser titular, quando ficasse mais forte. Até sabia como o time jogava... Mas e o destino? Como joga? Qual será o próximo drible? Quem sabe?
.........Mesmo sendo discreta, atraía olhares... e alguns elogios. Simples e elegante. Alegre e descontraída. Muito bem relacionada. Não tirava os olhos do gramado. Seu namorado era um dos jogadores do Tricolor. Sentada, com as pernas unidas, segurava no colo um menino de um ano e meio de idade. Apertava-o com carinho. Não vou negar que me comovi... que, por pouco, não chorei... Eu não vou negar... que pensei em fazer amizade... em breve. Ninguém de nós foi falar com a “musa”. Melhor assim. Éramos meio ingênuos. Não sabíamos que o relacionamento era tão importante... e que esquecer alguém era difícil, muito difícil...
.........O jogo começou. O HARMONIA não conseguia passar do meio de campo. E lá vinha o IPIRANGA... Era um ataque atrás do outro. Como se fossem ondas. O Tricolor era superior. Dominava o jogo. Mas a bola não balançava as redes. O goleiro pegava, ía para fora... ou batia na trave. Parecia haver alguém “endiabrado” no setor esquerdo do ataque. Foi aí que aconteceu uma das jogadas mais interessantes que vi na vida. Que pena que não havia câmera para gravá-la! O IPIRANGA aumentou a pressão. Fez um verdadeiro “bombardeio”. Chutou três bolas na trave em curto espaço de tempo e em sequência. Foi algo cinematográfico! Uma delas foi inesquecível: a bola fez um trajeto em diagonal e chocou-se, caprichosamente, com o encontro do travessão com a trave vertical, que ficava para o lado da Cooperativa do IVO FABRIS. Os torcedores colocaram as mãos na cabeça. Parecia que haviam se combinado. Após o chute, o atleta, com um sorriso no rosto, caminhou, com orgulho indisfarçável, de lá para cá... Consegui captar o pensamento dele: “Viram o que eu fiz? Não mexam comigo!” Falei, então, ao pessoal: “Não mexam com ele!” A torcida entrou em delírio. Era uma partida proibida para doentes... do coração. Eu estava “meio” apavorado. Não era o HARMONIA que eu conhecia. No meio daquele “sufoco”, o Juiz apitou. Graças a DEUS! Zero a Zero era um bom negócio. Não tinha visto a meia cancha correr tanto. Jogaram, heroicamente, contra o IPIRANGA... e o destino. Talvez tivesse sido melhor ver o filme do “VALDISNEI”...
.........Descemos do pavilhão para beber alguma coisa. No pátio do bar, havia um burburinho enorme. Os torcedores do HARMONIA estavam assustados. Aquele monte de bolas na trave não era um bom sinal. Eu não conseguia chegar no balcão. Os Ipiranguistas estavam orgulhosos, agitados, surpresos, eufóricos... Pedi uma Grapete. A piazada tinha tomado tudo. Eu me sentia no meio de dois bandos de lavadeira. Eram umas 300 pessoas falando simultaneamente. Pisaram no meu pé. Foi um gordo. Eu não gostava de gordo. A Irmã havia proibido palavrão. Tudo bem. Os Ipiranguistas queriam uma explicação. Cada um dava a sua versão. Então pedi uma Pepsi-Cola. Podia encontrar, sob a rolha, um prêmio. Tinha acabado. Entrei no clima da confusão: “Afinal, o que tem nesta bodega?” Tinha a gasosa do MACCARI... Pedi logo duas! Um torcedor, sob efeito da “marvada”, deu a culpa ao Juiz. Pobre árbitro! Mesmo quando acerta, a genitora é lembrada... Faz parte do pacote. O ingresso dava direito a ver heroísmo, golaço, a bicicleta do HILDO DE JESUS, pastel de origem duvidosa, baixaria...
.........As pessoas ficaram com medo, quando um líder político da UDN, que trabalhava no Congresso Nacional de SARANDI, culpou, categoricamente, as “forças ocultas”. Ouviu-se um silêncio geral. Quem seria? Fazia sentido. O “Tio” não estava de todo errado. Encontrava respaldo na História. Alguns anos antes, o próprio Presidente da República, Dr JÂNIO QUADROS, havia pedido demissão... por causa delas. As “forças ocultas” poderiam ter vindo de BRASÍLIA direto para SARANDI, a “Passarela da Produção”. Por que não?
.........Um torcedor, com rosto vermelho e barriga “importante”, ameaçou entrar com recurso. O HARMONIA havia jogado com dois goleiros. A “cultura” era forte. Já no primeiro tempo, ele viu dois goleiros, duas bolas, duas traves... Pagou os pecados. A grande área do ALVI-AZUL era, para os sóbrios, uma grande confusão. Que dirá para os “pinguços”. Vamos em frente, gente! Isto aqui não é EUROPA!
.........Mas o que, realmente, acalmou a torcida foi a explicação, de cunho científico, emanada por um profissional da área de tecnologia: “Tinha um sapo enterrado na goleira!” Gastei o primeiro palavrão da cota diária. Vou pedir desculpas para a Irmã ANITA. Ali começava o meu segundo problema do dia: o sapo! O BRASIL era o País do Futebol. Este, precisa ser sério! Muitos concordaram com o “cientista”. Naquela época, a gente lia pouco, alguns, muito pouco... outros, nada! O que os grandes diziam, chegava aos ouvidos dos piás como “verdades verdadeiras”. Ninguém questionava. As escolas, salvo melhor juízo, desenvolviam espírito crítico reduzido. Nas campanhas eleitorais, circulava um outro tipo de verdade. Termos incorretos ou mal-empregados provocavam falhas de comunicação, mal-entendido, desgosto... Uns diziam que era macumba. Outros, saravá. Alguns, despacho. Decidi “tirar a limpo” a denúncia. Estava determinado a encontrar o sapo. Alguns guris não conseguiram conter a curiosidade. Foram lá armados até os dentes: bodoques, facas e pedras!
.........Um entusiasmado torcedor do HARMONIA, com forte sotaque VÊNETO (ITÁLIA), com o braço direito erguido, bradou: “A GENTE TEMOS GOLERO!” E possuía. Precisamos ser justos. SARANDI e RONDINHA produziam grandes goleiros.
.........Um Aluno esperto do GINÁSIO SARANDI, o IVO do Café Central, arrancou gargalhadas do Povo. Relatou o que havia vivenciado. Assistira o primeiro tempo perto de um torcedor do IPIRANGA, de origem italiana. Tudo bem! “Bona gente!” Cada vez que a bola era chutada e não balançava as redes, ele blasfemava... várias vezes. Como houve várias bolas na trave, deve ter blasfemado durante todo o primeiro tempo... Dizia: “porco isso”, “porco aquilo”,...
.........O guarda apitou. Pronto! Estou preso! Desacato à autoridade, etc... Enganei-me: quem apitou foi o Juiz da partida. Todos saíram correndo. Ninguém queria perder o segundo tempo. O último a sair foi o Bodegueiro. Colocou uma garrafa de “FAZENDAS” debaixo do braço esquerdo. Chamou-me de magricela. Correu para trás da goleira do HARMONIA. Agradeci: “Obrigado, Tio!” Afinal, a minha base educacional era consistente, adquirida na Linha PERAU. Não me senti ofendido. Como ele pesava 110 quilos, iria encontrar outros magricelas pelo caminho...
.........Encontrei um Professor. Tinha perdido os óculos na confusão do Bar. Perguntou onde estava. Respondi: “no Estádio.” Não gostou. Disse que eu estava na idade da bobeira. Ótimo! Ajudou-me em muito. Ali começou a minha carreira. Eu já sabia que era bobo. Meio caminho andado. Só faltava saber por que...
.........Tratei de subir logo a velha escada de madeira. Estralou, rangeu e balançou. Não caiu com a italianada “forte”. Não seria justo ela cair com um magricela... tipo bobo.
.........A expedição para procurar o sapo foi adiada. Combinamos voltar num outro dia, com mais calma.
.........Ao percorrer as arquibancadas, senti na pele a guerra... de nervos. O CAMPANA estava calmo. Uma freira foi falar com ele. O BACHI, alegre. Vendeu um relógio no intervalo. Ou dois. O HELTON KLEIN estava confiante no Tricolor. O BAUDIN, valente, pressionava o Juiz. Queria vencer no braço... ou no grito. O “JOVANINI” estava com cara de boi... indo para o matadouro. O PERUZZO, pálido, tomava água. O CHIOSSI estava pior: tinha consumido um pastel estragado. Ou dois! O ADEMAR, filho de um Soldado da Brigada, não parava de comer as unhas. O “Gauchinho” disse que eu estava branco. Tudo bem! Magro, bobo e branco... Mas na luta! Disposto a cair de pé, se necessário!
.........Voltamos a olhar para a jovem simpática e misteriosa. Fiquei impressionado com a responsabilidade dela. Cuidava do irmãozinho como se fosse uma relíquia. E era! Era o filho caçula de um dos casais mais queridos do Município. De pé, o “pequeno príncipe” tinha meio metro de altura. Alegre e pacato. Não fugia. Não tentava fugir. Diferente de mim que, às vezes, fugia... deixando aflita a Dona JOVILDE. Eram apegados um ao outro. Protagonizavam uma comovente história de amor. Era uma coisa normal querer ser amigo deles. Cresciam em prestígio e prosperidade. Escutavam a todos com educação.
.........Minha Mãe sentia orgulho de ser amiga da Mãe dela. Meu Pai foi Presidente do IPIRANGA, em 1954. O Pai dela foi depois (em 1962). Carentes, esperávamos um olhar da guria. Não olhou. Fez bem! Não tínhamos o Fusca 1300, nem a bicicleta Caloy. Se tivesse olhado, o “estrago” poderia ter sido maior! Nunca falei com ela. Nunca falou comigo. Numa Cidade pequena, de vidas entrelaçadas... Por quê? Tímido e meio selvagem, eu vivia em movimento. Esse era o problema? Pode ser. Não tenho certeza, mas parece que, no jogo da vida, o destino armou uma barreira, na grande área, separando nossos caminhos...
.........“Lá vai o HARMONIA!”, alguém gritou. O nosso centroavante entrou como uma flecha, na grande área do sapo, digo: do IPIRANGA. A jogada foi emocionante. Até ele cair. Ou melhor: desabar! Parecia um castigo. Torceu um “monte de coisa”: tornozelo, joelho, coluna... Por pouco não quebrou a espinha! Mesmo sem terem sido chamados, os “enfermeiros” correram para lá. O atleta foi colocado na maca e, após, num Cinca Chambord e levado, às pressas, ao HOSPITAL SANTO ANTÔNIO, do saudoso e competente Dr MÁRIO AZAMBUJA, o “TIO BUJA”. Na correria, um dos maqueiros, o prestativo “TABORDINHA”, perdeu o boné... São os “cavacos” do ofício... Foi ali que decidi mudar a linha da investigação: não seria, apenas, um sapo enterrado. E, sim, uma alcateia de sapos! Não sei bem se esta é a palavra certa. Na aula dos coletivos, eu não queria aprender. O Professor ROSIN não queria ensinar. Deu no que deu: “show” de gafes!
.........Mas favoritismo não ganha jogo. No futebol, há time que se faz de manso, para “almoçar” o domador... O Tricolor, chutando para o lado da PALMEIRA, deslanchou. De 10 em 10 minutos, fazia um gol. Quase meio século depois, a memória não resgata aquelas jogadas. É uma pena! Foram normais. Tristes para nós. A memória apagou-as para se defender da tristeza. Esquecer um gol é fácil. O difícil é esquecer um sorriso! O amor marca como uma brasa... Suas marcas são profundas!
.........O homem de preto apitou. “O jogo já acabou!” O placar marcava: 4 x 0 para os donos da casa. Não é possível! O HARMONIA jogou contra o IPIRANGA, o vento... e o sapo!
.........SARANDI sentia os reflexos do que acontecia do lado de fora dos seus muros. Estudantes espalhavam-se pelo Mundo. Buscavam oportunidades melhores. Alguns desapareciam para sempre. Fruto de empréstimos vultuosos do Governo Americano, rodovias modernas eram implantadas pelo BRASIL. Uma delas “acertou em cheio” o Estádio da Baixada... e o sapo!
.........No Campo do IPIRANGA, o clássico municipal foi emocionante, inacreditável e histórico.
.........Mas o que posso dizer sobre o “campo das paixões”?
.........Entrou no segundo tempo, com chuteiras novas, um jogador invisível: um anjo, o destino... ou o Anjo do Destino...
.........Nunca mais vi a menina-moça... nem o Estádio do IPIRANGA, palco de grandes emoções e saudosas lembranças....
“Eu pensei que fosse fácil esquecer!”.

.........POST-SCRIPTUM - Numa sexta-feira, quando voltei de IJUÍ, fui ao BAR DO DALBOSCO comprar bananas. O Negro “TIÃO” (SEBASTIÃO DA SILVA), enquanto ouvia a gaita do GAMBETTA, emocionado me contou:

“O ‘distino’ se apaixonou por ela...”.

  T h e   E n d 
C F VOGT