sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Coração de Cartolina


.........Esta crônica trata sobre o meu primeiro Colégio: A ESCOLA NORMAL RURAL SANTA GEMA GALGANI (SARANDI – RS). O objetivo é exaltar a Educação. Ontem, quando anotei na agenda para resgatar esta dívida de gratidão, senti o peso da responsabilidade. Eu me senti pequeno. Eu precisaria ter mais capacidade. Confesso que chorei. Senhor leitor, seja compreensivo: tenho limitações. Longe das fotografias e perto da saudade, vou fazer o que é possível. Amanhã, alguém mais organizado poderá aperfeiçoar o trabalho.
.........Se alguém perguntar por que os escritores choram, eu tenho uma resposta: não se consegue escrever a História da Pátria sem sangue e lágrimas... Quando a Rádio Farroupilha citava os nomes dos líderes, meu Pai dizia: “Estudou comigo no Colégio!” Sem querer, ele despertou em mim grande curiosidade pelo tal Colégio...
.........No dia 01 de março de 1960, a minha Mãe (JOVILDE) entregou-me para a Irmã VERÔNICA: “Já paguei a matrícula. Ele é filho do FRIDOLINO. Cuide bem dele. Não para quieto!” Estava começando uma caminhada de 22 anos de estudos presenciais. Coroados por um doutorado no RIO DE JANEIRO.        
.........O momento era mágico. Nos ESTADOS UNIDOS, um Presidente jovem lutava contra a discriminação. No RIO GRANDE, o Governador brigava pela Educação. Na INGLATERRA, os BEATLES já estavam ensaiando. No BRASIL, faltavam 40 dias para o JK entregar a nova capital. No SARANDI, o HARMONIA colecionava 10 anos de vitórias. A Emissora Sarandiense já completara o seu primeiro lustro. O “Colégio das Irmãs” estava duplicando o prédio. A loja do meu Pai, a CASA SANTO ANTÔNIO, com 3 anos, começava a assumir a liderança do comércio. Eu, “experiente”, já tinha seis anos. A sorte estava lançada. Havia no ar uma efervescência. Eu consegui captar aquilo tudo. Mas não sabia o nome... Eram os “ANOS DORADOS” que estavam começando!
.........A cidade do meu coração possuía três escolas de Ensino Primário: o Colégio SANTA GEMA GALGANI e dois Grupos Escolares. Os Padres Italianos haviam espalhado a fraternidade. A música italiana, o romantismo e a nostalgia. Éramos cinco mil almas católicas... em busca da felicidade.       
.........A minha primeira sala de aula ficava ao lado da Secretaria. As janelonas dela ficavam no térreo do prédio novo, que estava em obras (A segunda e a terceira janelas). A Irmã VERÔNICA colocou dois alunos por carteira. Eu sentia medo de não conseguir aprender. Mas tinha orgulho de estudar junto com os filhos dos médicos e comerciantes. Muito capaz, ela nos alfabetizou com facilidade.        
.........O meu desempenho foi prejudicado por vários fatores: Colégio distante, alimentação insuficiente, falta de concentração, clima chuvoso, falta de motivação para fazer os temas de casa... Eu queria mesmo era brincar. E mais nada!       
.........Numa daquelas manhãs, a Irmã VERÔNICA exigiu que eu lesse em voz alta. Eu li sílaba por sílaba. Parecia uma metralhadora. Ela, gentilmente, segurou-se para não rir. Por ironia do destino, em quase todos os quartéis em que servi, trabalhei como locutor. A Diretora, Irmã MARIA INÊS, dizia que nós éramos engraçados... mesmo quando errávamos. Que saudade!         
.........Aquela sala, da primeira turma do Primeiro Ano, é uma relíquia. Foi dela que assisti ao maior temporal de todos. No outono de “60”, parecia que havia começado o fim do mundo. O vento arrancou os troncos e tábuas dos andaimes. Arremessava-os para o lado da estrada (futura rodovia). A chuva assustava os pequeninos. A Irmã VERÔNICA nos colocou de joelhos, em diagonal, de uma ponta à outra da sala. De frente para a tormenta. Rezamos, em voz alta, durante mais de uma hora. A Irmã Diretora, preocupada, entrava e saía. Não sabia mais o que fazer. Estava à espera de um milagre! A situação era dramática. Curioso, aproximei-me da janela. Vi tábuas voando, uma pequena casa de madeira, dos pobres. A Professora disse que não era verdade. Estávamos todos impotentes diante da força da natureza. Um tronco dos andaimes passou rodopiando, em alta velocidade, a um metro da vidraça. A situação era de pânico. Rezamos mais alto e mais forte. Aos poucos, a tempestade foi passando. A chuva diminuiu, até parar. Fiquei surpreso: nenhuma tábua, tronco, ou qualquer outro objeto atingiu a sala de aula do “Primeiro Ano Primário!” Por quê? O senhor leitor talvez tenha a resposta. Para mim, foi o primeiro milagre... da Irmã VERÔNICA!
.........Fomos liberados. Não havia mais condições de aprender nada, naquele dia. Ao percorrer as fileiras de eucaliptos, percebi que o muro “de material” (alvenaria) da quadra de esportes estava caído. Os andaimes da obra do prédio novo haviam sumido. Ao sair do portão da Escola, um estudante com mais idade me informou: “O armazém do teu Pai está torto!” Ao chegar em casa, eu mesmo constatei: ele estava “meio barrigudinho”. E assim ficou, por muitos anos. Lembrança do temporal de “60”...                              
.........Mas, quando setembro chegou, eu me senti muito importante, ao desfilar, pela primeira vez, pelas avenidas do SARANDI, em homenagem à Pátria Brasileira. Fazíamos a volta lá no Cinema. Na esquina de cima, posicionados na calçada, vi o Pai e a Mãe me aplaudindo. Quanta emoção! Quanto orgulho! Quem assiste a um desfile como aquele deve aplaudir com entusiasmo. Por quê? Porque cada uma dessas crianças é um pedacinho do BRASIL, da obra do Criador. O aplauso significa, ainda, o nosso reconhecimento de que cada uma delas tem direito a um bom trabalho. Tem o direito de ser FELIZ!
.........No Segundo Ano, entregaram duas turmas para a Irmã ROSÁRIA. Ela superou-se. Um dia, magoei-a. Derrubei a mamadeira. Sujei alguns cadernos. Ela ficou braba. Começou a folhear meu caderno: “Olha aí! Sujou tudo! Tu não fizeste o tema hoje!” E foi olhando as outras páginas: “Nem ontem!... Nem anteontem!...” Que vergonha! Todo mundo olhando para mim... Eu tinha um motivo muito forte para não fazer o tema: não queria ficar trancado numa sala. Eu queria liberdade... para brincar!
.........Em quatro anos de Escola, briguei, apenas, uma vez. Faltou diálogo. Eu estava jogando “pingue–pongue”. O ALEXANDRE PREZZOTTO JÚNIOR (“JUNHO”) também queria jogar. Dei um tapa no rosto dele! Em menos de dois segundos, tomei um tapa no rosto. Uma Freira nos levou à presença da Superiora, Madre MARIA FRANCISCA. Esta fez, de “cara feia”, uma apologia da paz e da fraternidade. Eu, na verdade, recebi duas “orientações”. Enquanto aquela autoridade desenvolvia o seu educativo raciocínio, decidi tomar, na presença dela, um pouco do leite da mamadeira... Reclamou, furiosa, da minha falta de educação.            
.........Em nossa passagem por este mundo sem portões, acontecem alguns fatos que parecem pequenos. Mas que acabam tomando vulto... em nossos corações. Ocupam, para sempre, um lugar de destaque em nossas almas. E quase nos matam de saudade! Aconteceu comigo um caso desses. Foi no inverno de “62”. Eu não era o mais “sabido”. Nem o mais caprichoso. Eu era, apenas, o mais feliz! Para mim, foi o fato mais marcante dos tempos do Colégio. A minha Família e a Escola fizeram a moldura. A Professora pintou o quadro. Eu era meio queimado do sol. A Mãe nutria amor verdadeiro pelo “moreno”. Sentia orgulho. Estava tudo pronto para a Festa Junina. Começava o inverno. As férias estavam chegando. Quanta alegria! O meu irmão, CLÓVIS FERNANDO (“LETO”), estava voltando do Seminário de TAPERA... para brincar comigo. Escrevi o apelido dele na prateleira da cozinha. O Pai e a Mãe não reclamaram. Eles também sofriam a mesma dor, a mesma saudade. Quando eu estava no centro do gramado da Festa Junina, fui surpreendido pela presença da querida Irmã ANITA. Veio falar comigo. Saber se o “moreno lindo” estava feliz. Ela estava  bonita, alegre, carinhosa... Eu nunca mais esqueci... Como esquecer um coração verdadeiro? Como esquecer um sentimento tão sincero? Como esquecer um sorriso contagiante? No teatro dos Poderes, ela me escolheu para representar o Poder Executivo. Antes tarde do que nunca: Obrigado, Irmã ANITA, minha querida Professora! Eu guardo, até hoje, com carinho, as cartolinas daquele Jogral. Vivemos, juntos, o paradigma da cartolina. Os trabalhos mais nobres eram feitos de cartolina. Mas, para mim, ela mostrou um coração de verdade. Que nunca mais vou esquecer...
.........No quarto ano, em 1963, o nosso Professor foi o AGENOR ROSIN. Ensinou gerações inteiras a gostar de JESUS. Por intermédio de redações constantes, nos ensinou a gostar de redigir. Era forte e corajoso. Numa noite, quando os ladrões tentaram roubar a residência dele, saiu de casa, de “peito aberto”, para esclarecer a situação. Ensinou de tudo um pouco: fé, vida, água, futebol, comportamento... Na idade de CRISTO, 33 anos, foi chamado para o Céu. Obrigado, Professor AGENOR! Pelo exemplo de Homem! De Grande Homem!    
.........Houve um fato misterioso: quando eu rolava pelo gramado do “campinho”, jogaram uma bombinha de SÃO JOÃO. Era uma brincadeira. Eu sei! Mas o rojão parou sob o meu rosto. Quando vi a fumaça me apavorei. Apagou debaixo dos meus olhos. Graças a DEUS, a bomba falhou! Quantas bombinhas falham? Foi um milagre? Meu Pai era devoto fervoroso do SANTO ANTÔNIO.                            
.........O portão da Escola SANTA GEMA era um divisor de águas. Digo: de mundos. Em 22 de novembro de 1963, quando já se aproximava o dia da minha formatura, assassinaram JOHN F KENNEDY. Defensor da liberdade dos negros. Nós, alunos, com pouca instrução, não conseguíamos processar aquela informação. Eu estava na Avenida EXPEDICIONÁRIO, próximo ao GIORDANI. Não sabia para onde ir. Nem o que fazer. Quem matou o Presidente? Por quê? Mas a Irmã não ensinou a cultuar a paz? Mais tarde, fiquei sabendo que ele havia entrado em rota de colisão com entidades racistas radicais.                       
.........Havia chegado a hora da partida. Já estávamos prontos para o Curso de Admissão. Era preciso deixar para trás as bucólicas fileiras de eucaliptos. Ultrapassar, pela última vez, o saudoso portão do Colégio. Que me ensinou valores. Na manhã de 14 de dezembro de 1963, após o café, escutei uma faixa do disco (LP) dos CARBONOS: “REFLETINDO SOBRE A VIDA”. Eu precisava pensar. Na verdade, não sabia, ainda, se havia sido aprovado.
.........No meio da manhã, entregaram os boletins. A Escola Sarandi classificou, em primeiro lugar, o guri CARLOS ANTÔNIO MAZZOCO, o "TONHO". Merecido! Era leal, maduro e inteligente. A minha classificação não foi informada. Apenas, a média final: 75.
.........Sou grato a todos meus colegas. Cada um me ensinou um pouco. Homenageio, a seguir, aqueles que, sob minha ótica, se destacaram: melhor redação – MARIA ELIZA DALBOSCO / aluna mais bonita – IVANICE PARIS (Eleita Miss SARANDI) / melhor jogador – ARISTIDES TONELLO / mais caprichoso (letra mais bonita) – GILBERTO COLLI / melhor sociabilidade – ADEMIR CHIOSSI / coração mais bondoso – DARCI DURANTE, da Linha AGUSSO (Levava para casa dois alunos por dia... em seu cavalo manso e branco).                                              
.........SANTA GEMA GALGANI! A primeira Escola da minha vida! A melhor do meu pequeno SARANDI! Hoje, volto para te agradecer. Não trago ouro nos bolsos. E, sim, um poema no coração:                                 
Lembrar de ti ainda me fascina. 
 Sonhar contigo ainda me ensina.
No teu mundo de educação, amor e disciplina,
Teu bondoso coração nunca foi de cartolina...

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Corações Humildes


.........Numa tarde de dezembro, saí por aí sem destino. Eu precisava desabafar, pensar, entender... Por que algumas iniciativas não deram certo? A lenta aproximação de mais um Natal deixava a Capital do Rio Grande com a sensibilidade à flor da pele... Ensinaram-me a confiar. É uma grande lição. Mas confiar em quem? Um Tenente da Academia Militar das  Agulhas Negras me ensinou que, na vida, há pessoas certas e pessoas erradas... Taiguara disse que não queria a juventude assim perdida... Eu não quero a Pátria assim perdida!  Já não estava mais só: caminhava com a tristeza...
.........Numa esquina qualquer, dobrei para a esquerda. Dobrei por dobrar. Seguia uma trilha perigosa: a indiferença. Na calçada, passei por um gaúcho idoso, pilchado, deitado, dependente químico... Ele não quis ser ajudado... Uma bola pequena “foge” de um pátio. Tentava encontrar explicações para episódios e mágoas... Quem controla a falsidade dos corações? Debaixo deste céu azul, parece que nada é igual... ver e não ver, sentir e não sentir, crer e não crer...
.........O Escritor Alemão Johann Wolfgang Von Goethe ensinou que nem todos os caminhos  são para todos os caminhantes. Há homens que nos orgulham. Há homens que nos envergonham. Alguns exaltam o Livro, mas não publicam o trabalho dos escritores. Há soldados e soldados... Todos precisam de medalhas. Todos precisam de perdão...
.........Os medicamentos estão caros. Algumas famílias não conseguem comprar. Chegam até a cancelar o tratamento médico... O numerário para os remédios deve vir do Orçamento da União. O Brasil é um dos países que mais cobra impostos no mundo... Alguns prefeitos fornecem, gratuitamente, os medicamentos ao Povo!
.........Nas minhas caminhadas, encontrei aposentados insatisfeitos... alguns revoltados. Para eles, fica claro que a nossa Pátria é duas! Os aposentados brasileiros tiveram seus salários diminuídos nos últimos anos. Desempenham outras atividades profissionais... para não passar fome! Morrem de tristeza, quando o jornal publica aumentos generosos para categorias que já recebem salários polpudos... É justo? O que significa isso? Significa que o Líder não paga os idosos, de acordo com a grandeza do trabalho que fizeram... para construir o Brasil...
.........Os nossos queridos mestres nunca foram remunerados de acordo com a nobreza da profissão...  Mais do que todos, sabem que a Educação é o caminho... para a felicidade. Eles têm a importante missão de transformar crianças inexperientes... em cidadãos honestos e felizes...
.........Oh! Que saudade de um BRASIL que não existe mais!  A Palavra era um valor, cultuado com orgulho... Às vezes, penso que a Palavra já não vale mais nada... E a Confiança? Por que trabalham tanto para fortalecer as marcas? Alguns espertos já não cumprem o que foi decidido nas reuniões... Fazem pouco caso da Honestidade. O futuro, porém, vai provar que a corrupção prejudica a todos!
.........E a amizade? Outrora, valor tão belo... Um amigo leal, compreensivo, confiável, presente nas horas amargas... é uma espécie de riqueza... Um Amigo verdadeiro mostra as maravilhas do mundo... É com melancolia que encontro conspiradores da Família... Eles acreditam que podem ser felizes sem ela...
.........A Língua Portuguesa é patrimônio nacional. Orgulho a um tempo, prazer a outro... Ferramenta áurea que o saber lapida... Silente, clama  por estudo profundo...
.........Um automóvel de luxo não respeita a faixa de segurança. O egoísmo falou mais alto... Se o motorista afoito tivesse parado, poderia ter visto a beleza dos enfeites de Natal...
.........Decidi entrar na igreja São Francisco de Assis. Estava fechada. E agora? ...Um Soldado conduz o Menino, de volta para a casa, com a bola e o sentido da vida... imitada pelo Cinema: eu estava vivendo "Um Dia de Fúria"...



.........Velha charrete surge. Desloca-se pela Rua São Luís, no sentido Centro-bairro. Conduzida por um homem pobre. Transportando crianças alegres, cães atentos e sacolas de plástico. Não cabe mais nada! O cavalo, ensinado, ao trote, quer voltar para casa...
.........Na frente da igreja, aquele sofrido chefe de família levanta-se, lentamente, equilibrando-se... correndo o risco de cair... Com elegância,  fé e devoção, faz o Sinal da Cruz... que a saudosa Mãe ensinou, quando pequeno...
.........Os sinos tocam. As portas da Igreja se abrem. Pequeno milagre, escondido na poluição da Cidade grande... Bela orquídea, a brotar por entre as pedras... Aquele gesto nobre, de um coração puro, serenou as águas da minha revolta... A fome não expulsa Deus do coração brasileiro! A miséria não cala a voz de Jesus na alma verde e amarela! Vamos começar de novo, ainda nesta tarde! O Altíssimo e Jesus de Nazaré estão vivos...  nas profundezas dos corações  humildes...


sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Era um Padre que Amava a Itália


.........Luigi Giovanni Vigna nasceu em 10 de outubro de 1923, no Norte da Itália. Ali fez os estudos iniciais. Em 1934, ingressou no Seminário dos Padres Carlistas. Rezou a Primeira Missa em 1947, aos 24 anos de idade.

.........Ao silenciarem os canhões da 2ª Guerra Mundial, os ponteiros do relógio cobravam decisões... Onde ensinar o Evangelho? Decidiu labutar na América, ensinar no Brasil. “Andare via lontano...” Inicialmente, exerceu o apostolado em Nova Bréscia, Dois Lageados e Guaporé, assistindo aos imigrantes italianos...

.........Os anos 50 trouxeram grandes mudanças. O Bispo o designou, em 1950, para o cargo de Vigário da Paróquia de Rondinha-RS. Naquela Terra religiosa e laboriosa, durante quatro anos, foi feliz, fez amigos e criou vínculos. Líder leal, voltaria mais tarde, em 1966, para criar o Ginásio São Carlos. Na Europa, o livro mais lido falava da fé: “Por quem os sinos dobram?”... Grato, ele voltaria tantas vezes quantas fossem necessárias... para agradecer.

.........Quando se apagaram as luzes de quase um lustro de realizações, iniciou o ano de 1955, exercendo, com entusiasmo, a função de Professor do Ginásio Sarandi. Nascido para educar, dentre uma equipe de docentes ótimos, ele era o melhor!

.........Por mérito, assumiu, em março de 1958, com apenas 35 anos de idade, o cargo de Diretor do Ginásio Sarandi, da Escola Normal Regina Pacis, da Escola São Roque e do Colégio Comercial Monsenhor Scalabrini. Sentiu o peso da responsabilidade: “a Economia dá a última palavra!” A Seleção Canarinho, marcada pelo “Jeca Tatu”, tinha pela frente a Copa do Mundo da Suécia... As coisas começaram a dar certo, quando o comando da delegação foi entregue a um empresário devoto de Nossa Senhora! O mundo conheceu, então, Pelé, Garrincha...

.........Mas era preciso ir em frente, entrar no futuro... Os Padres Católicos se posicionavam, com clareza e coragem. Em 1960, um deles subiu no parlatório e criticou os gastos enormes para a construção de Brasília! Em 1962, um sacerdote fez um dos mais brilhantes sermões que a Cidade já viu, por ocasião da morte de uma atriz de cinema... “Ela tinha tudo! Só não tinha DEUS!”

.........O Padre Luiz era versátil. Sabia rezar Missa em Latim, Italiano e Português. Em 1962, quando eu era Aluno da Irmã Anita, na Escola Normal Rural Santa Gema Galgani, ele criou o Ginásio Industrial São José. O clima era de euforia: a Seleção Brasileira voltou vitoriosa do Chile...

.........Em 1965, o dedicado Padre foi meu Professor de Geografia, Inglês, Diretor e Tesoureiro... Era entusiasmado, seguro e coerente. Elogiava os Americanos por trabalharem muito... e, à noite, irem ao Cinema. Após o jantar, quando havia filme bom no Cine Guarany, os Padres embarcavam numa Kombi e iam “crescer em cultura”... A música italiana vivia dias de glória! Os artistas cantavam canções que vinham do fundo do coração... (“Al di la”... “Muito além das estrelas... está você...”).

.........Ainda em 1965, obteve recursos do Programa Aliança para o Progresso e instalou a Gráfica Guarany Ltda. Com a auto-estima elevada, conseguiu recursos vultosos com uma Nação Amiga. Construiu o Ginásio Industrial São José, para meninos e meninas. Eu e meus colegas de aula estávamos presentes na solenidade de inauguração. Diante das autoridades regionais, o Padre Líder elogiou a Alemanha: “...foi destruída pela Guerra. Em poucos anos, com união e trabalho, se reconstruiu e, agora, ajuda o Brasil!”
      
.........Ele era um Padre de bom coração. Fazia caridade. Pensava nos pobres... Foi ele quem fundou o Patronato, em 1966! Em nossa Pátria verde e amarela, o Futebol reflete no humor do Povo... Eu reprovei em Álgebra. Fiquei traumatizado! Chorei junto com a “pátria de chuteiras”: sem o Garrincha, a Seleção fracassou na Inglaterra!

.........Do “Império Romano”, o bom menino trouxe valores morais. Humilde, percorria as salas de aula para cobrar as mensalidades... Nós, alunos, esquecidos ou ingratos, quase nunca tínhamos dinheiro. Será que sabíamos a importância da Educação? Hoje, até entendo o valor do “x”. Mas tenho dificuldade para entender: por que fecharam o Colégio Santa Gema? Por que sacrificaram os eucaliptos?

.........Trabalhador, era normal o encontrar suado. Vitórias lhe deram autoconfiança. Dedicado, ele mesmo consertou a antena da Rádio. Sincero, quando olhava por cima dos óculos pretos, o Estudante sabia que ouviria algumas verdades. Era defendido por docentes e discentes. Estudou a Lei. Escreveu o Regimento da Escola Normal Regina Pacis. Empreendedor nato, era um compósito de vontade, fé e orgulho. Trouxe da Itália uma pedra angular: o valor da Educação. Dentre caminhos e descaminhos, escolheu ensinar. Edificou ambiente sadio, juvenil, agradável...

.........Quando entrei, pela primeira vez, na Sala do Diretor, tive uma surpresa: esperava encontrar luxo e privilégio, num local amplo e confortável. Encontrei o retrato da Simplicidade. Mas não era isso que ele ensinava? Alguns cidadãos faziam de tudo para serem vistos nas luzes da ribalta. O Diretor do Ginásio trabalhava nos bastidores. Tinha visão de futuro. Integrou a Pia Sociedade dos Padres Carlistas, mantenedora de Escolas.

.........Por algum motivo, os caminhos se cruzavam. Em 65, após a grande nevasca, no Dia da Pátria, o Padre me viu “batendo um pé meio muito”. Em 66, olhou-me sobre os óculos, vencido pela Matemática. Em 67, por criticar o Ginásio, falou com meu Pai. Em 68, diante de aula monótona, indisposto, apaixonado, pedi para ir embora... Ele quis chamar o Médico. Quando a crise chegou, busquei bolsas de estudo no Palácio Farroupilha, sem falar com o Diretor. Na hora do jantar, o Pai me ensinou: “Mais vale acender uma vela... do que maldizer a escuridão!”

.........Quando 1970 chegou, trouxe lágrimas junto... Fiquei emocionado ao ver os formandos de 69 lutando pela vida. A Turma se espalhou pelo Brasil... Poucos tiveram condições de enfrentar o “Porto”. O Ari, filho do Alemão Albano, não conseguia emprego, nem Colégio. Os Comerciantes, amigos do meu Pai, não me davam trabalho. O Deputado Ivo Sprandel conseguiu uma vaga, num Colégio Público, à noite...

.........Em março, o dinheiro acabou. “Senza soldi!” Quando eu estava escrevendo uma carta para casa, no balcão do Hotel dos Sarandienses, um conterrâneo contou-nos: “O Padre Luiz está baixado no Hospital Beneficência Portuguesa!”

.........Eu e o Colega de Aula Ari Withauper, sem perda tempo, subimos morro acima. “Um bom menino precisa saber agradecer, dividir, perdoar...” Ficamos trancados na portaria. Eu disse que era filho do Fridolino. O Padre Luiz estava sozinho! Num quarto de frente do 2º andar, amplo, silente... Estava lúcido, não sentia dor. Não falou nada sobre a doença. Lembrava-se de cada um dos estudantes. Gostou muito da nossa visita, mas estava desanimado... (“Giorni senza domani”). Estava partindo para uma grande batalha. A oração era a arma. O Grande Diretor ainda tinha o terço.

.........Quando junho chegou, a Copa do Mundo no México tinha  sabor amargo. Os exames confirmaram cruel patologia. A medicina dava passos lentos. Naquele inverno, o Minuano assobiava, assustava... até que, no dia 22 de agosto, levou o Grande Padre Luiz, meu querido Diretor, aos 46 anos de idade!

       Alguns homens vivem.
       Outros passam pela vida.
       Alguns caminham para Deus.
       Alguns homens morrem.
       Outros viram lenda.
       Alguns entram no Paraíso...

.........LUIGI GIOVANNI VIGNA era um Padre que amava a Itália, mas que, de tanto sentir orgulho dos Alunos que educou, descobriu que amava o Brasil...

P S: Hoje, a Escola Sarandi é orgulho municipal, patrimônio da Educação. Brilha entre as melhores do Brasil!

Anexo:

(Foto do Governador Walter Peracchi Barcelos inaugurando o Ginásio
Industrial São José - Acervo: Professor Rogério Machado)

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

As Janelas do Orfanato


.........Foi num final de inverno que nasceram, numa cidade do interior, duas gauchinhas. Alegria em dobro. Preocupação, também.  Elas eram filhas de um casal de moradores de rua, selecionadores de papel. Quatro pessoas envoltas num círculo de miséria. Situação desfavorável à educação das crianças, agravada por uma síndrome.
.........Um líder propôs, aos Pais, que ambas fossem morar no Orfanato, até melhorar a situação. Para evitar que as gêmeas sofressem como eles, vivendo na rua, o Pai concordou, mas, só depois que as crianças fossem batizadas. Na Igreja Matriz, receberam belos nomes: MARIA FERNANDA e MARIA VITÓRIA.
.........Como é bonito quando um Povo valoriza o Orfanato! Quando investe numa Instituição de Caridade! Quando sabe o valor da APAE! As meninas foram crescendo com alimentação saudável. Com educação cuidadosa. Com bons exemplos. Faltava, apenas, uma família amorosa, uma casa bem bonita, um pouco de esperança.
.........A Irmã Diretora sabia que “a família é a célula-mãe da Sociedade”. Trabalhava para que as Alunas fossem adotadas ou contratadas. Na semana do Natal, levou as pequenas para conviver com famílias de boa vontade. Ao realizarem exame médico, as gêmeas foram contra-indicadas para adoção.
.........A Diretora ficou triste. Estava ansiosa para dar uma oportunidade a elas, agora com três anos. Seguiu em frente e exclamou: “Que os Anjos resolvam!” Tinha a esperança que uma alma boa compreendesse a realidade delas... Lembrou-se do Papa FRANCISCO: “...nenhuma criança sem lar...”
.........A MARIA FERNANDA foi passar o Natal na casa da GABRIELA. A Dona da residência estava de cama, com depressão.  Mas, ao ver a criança, gostou muito dela: era alegre, engraçada, brincalhona... O coração de Mãe falou mais alto. Recomeçou a vida. A pequenina não tinha nada para oferecer, mas, sem querer, deu uma razão para viver.
.........A patroa apresentou um plano para adotar a guria. Algumas filhas foram contra. A síndrome... era desconhecida! Mas, a Mãe da GABRIELA estava determinada. Otimista. Naquela família religiosa, um argumento foi decisivo: a MARIA FERNANDA tem o direito de viver! O Sol nasce para os especiais, para os pobres, para os pássaros... O Sol nasce para todos!
.........Foi adotada, enfim, por uma equipe madura. Ela une a família. Interage com todos. Alegra a casa. Vaidosa, faz poses para fotografias. Faz de tudo um pouco, embora devagar. Na Missa da noite, orgulhosa, leu uma Carta do SÃO PAULO... Em setembro, foi realizada uma emocionante festa de aniversário: 15 anos! Com orações e sorrisos, ela encontrou uma família amorosa. Olhares perdidos nas Janelas do Orfanato ficaram na lembrança...
.........O médico que previu vida curta para as gêmeas compareceu. Disse que a MARIA FERNANDA tinha muita vontade de viver. E que foi feita a vontade de DEUS... O BRASIL não precisa de superhomens. Precisa de homens felizes. Em atenção a corações humildes, para DEUS tudo é possível...
.........A MARIA VITÓRIA passou o Natal em lar abastado. Ficou encantada. Recebeu pouca atenção. Estavam preparando-se para viajar. Não houve interesse em adotar a gauchinha. Por causa de uma síndrome, foi discriminada, sem saber. Buscam olhos azuis. Que não garantem a nobreza de caráter de um homem... Para ela, foi triste saber que havia dois quartos sobrando naquela casa! Não é a primeira vez que a vida fica esquecida num canto. A criança conheceu a elegância, mas não o amor!
.........Numa Instituição quase centenária, a MARIA VITÓRIA, sofrendo saudade da Irmã gêmea, era vista, trajando azul, brincando no gramado da frente, olhando, ansiosa, o portão da Avenida. Quem sabe sofrer? Quem sabe esperar?
.........Mas, era um coração que não sabia esperar... Esperando ser escolhida por uma família bem bonita, vestindo rosa claro, ainda pequena, morreu de tristeza... numa das Janelas do Orfanato...

(Baseado em fatos reais)

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Está Faltando Alguém na Avenida


.........Numa tarde de sábado, fomos visitar o Cantor JOÃOSITO, líder do Conjunto JOÃOSITO E SEUS COMETAS, Tio do ADEMAR, o Gauchinho. Estavam ensaiando. Cantavam com prazer. O JOÃOSITO era compenetrado. Não falava com a piazada. O HUGO ROSSI, que tocava pandeiro, era comunicativo e leal ao irmão. Antes de seguirmos para a Curva do Rio Bonito, escutamos uma canção genial: CHALANA (... “nas tuas águas tão serenas / vai levando o meu amor”). 
.........Depois, encontrei o HUGO colocando os números nas casas da Cidade. Curioso, como de costume, perguntei qual seria o número da Loja do meu Pai (FRIDOLINO), a Casa Santo Antônio. Ele respondeu: “999!” Logo em seguida, afixou o número. Está lá até hoje!
.........Era comum encontrar os ROSSI, o Paraguaio e o VERCI comprando tinta na Loja do Pai, pintando as casas da “Alta Sociedade”...
.........Num dia de preguiça, quando eu voltava da aula no Colégio Santa Gema, encontrei o HUGO e seus amigos pintando a Igreja N S de Lourdes... O que mais me impressionou foi que um deles subiu na abóboda da igreja. Não tinham medo! Estavam acostumados... Mas foi uma operação de alto risco!
.........Ao analisar a trajetória dos herois do passado, temos que conhecer o mundo deles... Tudo que acontecia lá fora refletia nos nossos lares. Alguns gestores gastavam mais do que arrecadavam. Provocavam inflação, fome e desemprego. Ficávamos dependendo da Colônia... O Pai dizia, na Loja: “Quando a Colônia vai mal, tudo vai mal!” Eu não entendia de Economia, mas as prateleiras vazias não sabiam mentir... Os políticos estavam bem. O Povo passava fome! Esse era o Mundo de HUGO! Os pintores não tinham trabalho. Reuniam-se, na Barbearia do RIQUETO e do TELMO, esperando, com ansiedade, que uma boa alma resolvesse pintar a casa. Hoje, o passado parece pequeno, mas, à noite, faltava luz! Preocupados com obras de grande popularidade, os governantes não investiam no futuro do BRASIL. Quando a FGF mandava uma bola nova, era motivo de festa. O meu Pai foi um dos Sarandienses que teve que pagar a conta da irresponsabilidade dos outros.. Quando a Loja fechou, 150 famílias deixaram de pagar as dívidas. Ele era compreensivo, mas sofreu muito com isso...
.........O HUGO era assíduo: comparecia aos eventos. Era versátil: foi jogador do Torino, do Ipiranga e do Harmonia. Trabalhou como Pintor, Músico e Treinador. No outono da vida, passou a produzir a coluna Túnel do Tempo, a mais lida do Jornal. Com boa memória, colaborou para que outras gerações conhecessem as lições do passado... Resgatou nossa bonita História. Mostrou aos jovens que é possível vencer na vida...
.........O HUGO poderia ter produzido bem mais. Ele trabalhou em condições desfavoráveis. Apesar dos laçassos da pobreza, conquistou resultados magníficos, no campo dos valores imateriais. O entusiasmo dele era contagiante. Entendia de gente. Sabia se posicionar diante das autoridades e dos pobres. Ele acompanhava com interesse o destino de cada sobrinho e de cada jogador. Sentimental demais, começou a morrer quando o destino desmontou o mundo que havia lhe dado a felicidade... Viu, com tristeza, uma geração inteira se espalhar pelo mundo...
.........Ele amava o Futebol. Quando não havia dinheiro para mandar fazer camisetas, fazia com sacos de farinha... da marca Harmonia... Foi ao Estádio dos Eucaliptos ver o Pelé jogar. Antes de um treino, comentou: “Ninguém tira a bola do Pelé!” Batizou o filho primogênito com o nome de um craque do Inter da década de 50: LARRY... (Larry Pinto de Faria).
.........A obra-prima do HUGO foi montar o melhor time de futebol da História do Grande Sarandi. Nos jogos decisivos, o Estádio Pedro Demarco ficava lotado... Não cabia mais ninguém! Todos queriam ver as tabelinhas do VITOR HUGO, ITACIR, GETÚLIO e DALAVECHIA... Eles entravam com bola e tudo! O HARMONIA treinava todos os dias, ao cair da tarde. Seus jogadores eram exemplares: não cometiam faltas! Faziam sacrifícios: quando não havia ônibus, viajavam na carroceria dos caminhões, correndo uma série de riscos... Nada se conquista sem trabalho e sacrifício!
.........O Técnico era agregador hábil. Reuniu todos os jogadores, titulares e reservas, na casa dele, para uma confraternização, num sábado à noite, na véspera de uma final de campeonato com o temido IPIRANGA, do Willy Schaeffer. Estávamos tentando aliviar a tensão... Lá pelas tantas, o HUGO declarou: “Olha, gurizada, amanhã à noite, neste mesmo horário, estaremos todos felizes, comemorando... ou arrasados! O meu primeiro time e o dele era o HARMONIA... o segundo era o INTER...
.........Eu não consigo imaginar os treinos do HARMONIA sem ele... Sua voz paternal ainda ecoa na lembrança: “Não tem ninguém no rebote!” / “Cruza para trás, SABINO!” / “O VÍTOR IVO vai bater a falta!” / “Solta a bola, FLÁVIO!” / “Chuta de fora da área, ROGÉRIO!” / “QUICO, levanta a cabeça!”...
.........Ainda ontem me emocionei, ao me lembrar que o HUGO recebeu, de braços abertos, os negros e os pobres... Dono de um coração grandioso, contou que o Pelé, quando foi fazer teste no Corinthians, foi mandado embora... era um negro magricela! Todos ganharam uma oportunidade, inclusive eu, um branco magricela...
.........O tempo provou que ele estava certo: (os negros) SABINO, VALTER e CATARINO deram grandes emoções ao Povo Sarandiense... Tornaram-se queridos craques. Na época, pensei que o SABINO não suportaria a pressão de barulhentas torcidas... Mas eu me enganei. Ele ia para cima do lateral direito... "Passava de passagem"! Que saudade! Encontrei-o num supermercado. Ficamos um tempão recordando os  momentos felizes que o HARMONIA nos deu...
.........Um dos fatores das campanhas vitoriosas do ALVI-AZUL foi a sociabilidade do HUGO... Conversava com todos! Ele não deixava o time parado: marcava jogos e ajudava divulgá-los... Parece fácil? Mas não havia jornal na Cidade! Ele sabia a situação de cada jogador. No fundo, era sensível, tinha tato... Quando a doença levou o capitão OSVALDO (TITUM), ficou inconsolável. Nem subiu para o treino...
.........Ao visitarmos o campo do HARMONIA, para recordar, ele me disse com tristeza: “VENDERAM TUDO!”. Uma legião de Sarandienses passou a infância naquele gramado! Com arquibancadas confortáveis, ali seria o nosso Maracanã! É difícil construir, sem destruir o que os outros construíram... Foi o fim de um grande sonho!  O jogo acabou!
.........Não deixou de ser humilde, nem nas grandes vitórias... Apesar dos ventos da adversidade, foi um homem feliz... DEUS permitiu que ele vivesse momentos maravilhosos da vida nacional... Era saudosista. Guardava, de lembrança, cada carta, livro, fotografia, revista, notícia dos jogadores que treinou... Na parede da sala, mostrava com orgulho um retrato grande do Conjunto JOÃOSITO E SEUS COMETAS... que o tempo levou.
.........Trabalhou cercado por amigos leais, como o NILO BAUDIM, que trabalhava várias horas seguidas na copa, vendendo gasosa e defendia os jogadores do HARMONIA como se fossem seus filhos. Cercado por amigos leais, como o ADEMAR FERRONATO... que o ajudou até os 45 minutos do segundo tempo...
.........Não consigo imaginar os treinos do HARMONIA sem ele... Tudo bem: o Pai me ensinou que a alma não morre. Mas, para quem teve o privilégio de trabalhar com o HUGO, a Avenida nunca mais será a mesma!
.........Aprisionado pela doença em sua própria casa, viu os Anjos chegarem no SARANDI... Vestia uma camiseta do Internacional de Porto Alegre. Levava um crucifixo grande no peito e um pandeiro velho na mão...
.
..............."E assim ele se foi,
...............nem sequer se despediu(1)
...............Deixou indômita saudade,
...............no coração da Cidade
...............e na curva do rio.




(1) Canção “CHALANA”, do Mário Zan.

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

O Mundo dos Teus Olhos

.........Viver bem em PORTO ALEGRE exige planejar a solução de problemas. Por exemplo: resolver apenas um por dia. Ou dois: um de manhã e um de tarde. Se o cidadão tentar resolver três problemas ou mais, irá sofrer muito. Ontem, eu estava entusiasmado. Decidi acelerar e colocar a agenda em dia. No meio da tarde, antes do lanche, fui a uma empresa que expede livros, revistas, cartas... Eu estava com muita pressa. Queria, ainda, ir a vários lugares. Logo que saí da garagem, minha agenda começou a fracassar. Moradores de uma Vila trancaram a Avenida. Parece que queriam uma lata de tinta... Alguns enxergam uma Cidade democrática. Qualquer um pode trancar qualquer rua! Parece que a Constituição Federal não é ensinada nas Escolas. Milhares de pessoas presas no trânsito, sem poder voltar para casa... com o direito de ir e vir desrespeitado... Sinceramente, eu não consigo ver democracia nisso. Nem educação. Nem cidadania.

.........Deixei o auto em um posto de gasolina. Fui correndo pelas ruas, com o envelope do dia. Era ainda cedo para desistir. No caminho, há uma sinaleira. Fica muito tempo verde para as máquinas. E alguns segundos para os humanos. Quando ela abre para estes, “salve-se quem puder!” Cai pacote, sacola, pipoca... Algumas mães quase arrancam os braços dos filhos! Eu deixei o boné cair, no meio da Avenida. Voltei para pegar. Foi um erro! Por pouco não amassei a lataria de uma viatura. Vários motoristas citaram a senhora minha genitora... Se eu fosse o Xerife, planejaria uma Capital... para os humanos.

.........Ao chegar na agência, fiquei alegre ao perceber que não havia fila. Isso acontece uma vez por ano! Minha alegria durou pouco. Nenhum Colaborador me chamava.

.........Devia haver um motivo muito forte. E havia! Uma caixa misteriosa, quadrada, de 50 cm de lado, estava sobre o balcão. Todos estavam trabalhando para expedir a caixa. Faz parte da profissão. Conversavam sem parar sobre a Comadre. A gerente indagou ao Cliente: “Como vai a Comadre? Ela melhorou?” Recebeu como resposta: “Ela piorou. Está no Hospital.” “E as filhas dela, onde estão?” O rapaz respondeu: “Longe, viajando.” Um colaborador quis saber se a obra já estava pronta. O Cliente opinou: “Não vai dar tempo para terminar o livro...“ 

.........Eu, meio curioso, já não via mais o tempo passar. Formou-se longa fila. Uma idosa, que estava atrás de mim, com jeito de italiana, tipo braba, indagou: “Por que eles não mandam a caixa?” Eu respondi: “Desde que cheguei, eles viram a caixa, carimbam, desviram, colocam fita, viram, escrevem, colocam mais fita, perguntam sobre a Comadre... Ela continuou: “Mas o que será que tem dentro?” Eu respondi: “Mandaram chamar um Padre para benzer a caixa.” A idosa não se conteve: “PORCA PIPA!” É incrível: conseguiram quebrar o carimbo! A Gerente mandou buscar outro. Por um lado é engraçado. Por outro lado é triste. Decidi desabafar com a amiga da fila: “No Quartel, os militares, quando trabalham, conversam, apenas, assuntos de serviço. Evita acidentes. Aumenta a produtividade. Não existe carreira militar sem disciplina... e método de trabalho.” Ela acrescentou: “Olha só quanta gente na fila! Poderiam estar fazendo tanta coisa!” Os Colaboradores nos ouviram. Não gostaram.


.........Uma Colaboradora de olhos azuis me chamou. Fez-me algumas perguntas. “Por que o senhor está nesta fila dos Clientes Especiais?” Respondi: “Eu sou SÊNIOR!” Ela comentou: “A nossa Agência não trabalha com a categoria SÊNIOR!... O senhor se autodeclara idoso?” Fiz a minha defesa: “DEUS me livre! Sou um jovem de espírito!” A moça continuou: “O senhor tem alguma patologia?” Respondi: “Tenho. Artrose no joelho. Necessito de bengala para andar.” A moça indagou: “Mas eu não vi a bengala. Onde ela está?” Esclareci: “Minha sogra colocou a bengala na mala, por engano. Voltará só no Natal!” A Colaboradora era muito interessada: “Por que não foi na UPA?” Respondi: “Eu fui. Mas não havia médico dentro. Não era época de eleições!” Continuou a fazer o meu prontuário: “O senhor fez prótese?” Respondi: “Sim. Piorei. A prótese estava vencida!” Continuou: “Falou com o Ouvidor?” Eu respondi: “Sim! Ele estava com cera no ouvido!”

.........A moça dos olhos azuis prosseguiu: “O senhor tem algum amigo no núcleo duro do Governo?” Respondi: “Mas nem quero! Se o general descobre algum Militar envolvido com política... manda jogar no mar!” Continuou: “O senhor faz Caridade?” Respondi: “Quando a sogra autoriza!”  Naquela altura, eu tinha certeza de que seria preso... Não é pessimismo. É intuição. Sendo filmado por oito câmeras... E olha que, em princípio, eu me auto declaro do bem. Eu só quero mandar uma revista! E estou louco de pressa! Parece que a Colaboradora Misteriosa leu o meu pensamento: “O que o senhor está remetendo neste envelope?” Procurei esclarecer logo: “Uma Revista Verde Oliva, editada pelo EXÉRCITO de Brasília!” Ela continuou: “Quem é o destinatário?” Respondi: “É um Veterano de Guerra!”

.........Eu já estava começando a entender aquele episódio... de inteligência emocional. Mas eu queria uma prova! Disse para a jovem, de singular beleza: “Nós estamos falando, há meia hora, sobre a Comadre. Eu trabalho como Escritor. Preciso muito saber... quem é ela!” Foi com lágrimas nos olhos, que a jovem me contou um segredo: “A Comadre é uma brilhante Professora. Ensinou-me a escrever. Está doente. Houve metástase. O mal se espalhou. Fez um pedido: quer ver, nos últimos dias, as fotografias dos filhos... e dos Alunos que educou. Talvez ainda dê tempo! Os álbuns estão naquela caixa... que o Padre benzeu. O filho dela quer mandar razões para viver. Os ex-alunos querem mandar um milagre!

.........Hoje de manhã, chegou uma carta da Professora. Preste atenção! Ela quer ensinar a viver, até o fim:

Procure alguém que coloque DEUS na sua vida.
Você pode até viver sem Ele,
mas andará de mãos dadas com um grande vazio.
Procure alguém que coloque a Música no seu caminho.
Você pode até viver sem ela,
Mas vai se arrepender depois...’ 

.........A Colaboradora da Agência continuou: “O senhor está sempre com pressa. Não percebe que a pressa tem limite. Quando o homem perde a batalha da vida, a pressa perde o sentido. Quando a Professora veio aqui, o senhor não falou com ela. Quem sabe se colocar no lugar do outro encontra motivos para perdoar. O senhor vê uma caixa sobre o balcão. Eu vejo razões para viver. O senhor vê um livro. Eu vejo um novo amanhã. O senhor vê uma revista. Eu vejo a esperança. O senhor vê uma carta. Eu vejo uma história de amor. O senhor vê uma Comadre. Eu vejo a melhor Professora da minha vida. O senhor espera ser atendido logo. Os alunos da Professora  esperam por um milagre!

.........Os nomes e agradecimentos são importantes. Quem foi que disse que o ingrato não receberá ingratidão? Se precisar chorar, chore de emoção, como eu chorei nesta tarde... Mas nunca mais chore as dores da ingratidão. Ela é uma arma. Usada por infelizes. A Madre Tereza de Calcutá ensinou: ‘No fundo, é tudo entre eu e Deus!’ ”

.........Alegre por ouvir palavras tão belas, exclamei, já no caminho da porta de vidro: “Você tem razão! Nunca vi tanta nobreza! Amanhã, voltarei!”
.........– “Para mandar um livro?”
.........– “Não! Para ver o mundo com os teus olhos!”